domingo, 31 de maio de 2009

Pentecostes e o povo do Caminho

Os discípulos e as discípulas do Profeta de Nazaré estavam com medo. Reuniam-se escondidos para conversar e avaliar, mas a incerteza e o medo haviam se instalado, parecia vencer. O Ressuscitado aparece, restabelece a paz e lança sobre eles o Espírito. Uma nova vida acontece, dissipa-se o medo, refloresce a esperança, retomam o caminho. É Pentecostes. Nascem as comunidades cristãs.

O acesso a estas novas comunidades é irrestrito. Todos podem participar. Esta é a novidade. Não há acepção de pessoas. Todos podem escutar e contar notícias boas em suas próprias línguas e culturas. O amor prevalece sobre normas e leis. Tornam-se conhecidos como povos do Caminho.

O termo grego eclésia (igreja), naquela época, que era utilizado para designar a assembléia dos homens livres das cidades, excluíam crianças, mulheres e escravos. As comunidades cristãs apropriam-se e re-significam o termo. Igreja é agora a assembléia dos povos livres, o lugar da liberdade, onde todos podem repartir alegrias e tristezas; compartilhar angústias e esperanças.

Celebrar pentecostes é reavivar a memória libertária da páscoa. Acreditar na convivência harmoniosa dos povos e na perfeição da pluralidade. Preso ao amor e absolutamente livre nos modos de amar.

Alexandre Fonseca

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Romper sem sair

A partir de outros mundos,

ela caminha na apropriação das lógicas deste mundo.

E quando menos imaginar,

passeará por estas lógicas,

desconstruindo-as.

Rompendo sem sair,

despertando novos mundos

Alexandre Fonseca

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Povo Anacé tem terras ameaçadas pelo governo estadual

Ministério Público Federal no Ceará (MPF/CE) enviou uma recomendação ao governador do Estado pedindo que seja suspenso o processo de desapropriação que está em curso no território tradi­cional do povo Anacé. Segundo a assessoria de comuni­cação do MPF/CE “a suspensão deve perdurar até que sejam realizados os estudos de identificação e delimitação da terra indígena Anacé.
Em São Gon­çalo do Amarante e Caucaia vivem mais de 800 famílias da etnia. A Constituição brasileira reconhece ‘aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, prote­ger e fazer respeitar todos os seus bens’”.
A Recomendação nº 59, de 12 de novembro de 2008, do MPF/CE solicitou a interrupção das desapro­priações em São Gonçalo do Amarante e Caucaia, onde vive o povo Anacé.


Complexo do Pecém

Em 1995 o governo Estadual esco­lheu o território tradicional do povo Anacé para instalação de um enorme empreendimento. Um porto e diver­sas indústrias: siderúrgica, refinaria, fábrica de cata-ventos para produção de energia eólica, dentre outras. Dois anos depois, em 1997, cerca de uma centena de famílias foram expulsas de suas terras e encurraladas em três assentamentos.
O porto foi inaugu­rado em 2002. Há cinco anos o estado tem provi­denciado a infra-estrutura necessária para a chegada das indústrias: construção de rodovias e ferrovias, instalações elétricas e de gás, construção de ter­melétrica etc.
Agora surge a pressão para expulsar o restante do povo e as conseqüências da retirada das famílias começam a apa­recer: 37 idosos morreram em cinco anos com desgosto por terem sido arrancados de suas terras, vários atropelamentos ocorreram devido à proximidade que se encontram das estradas, registram-se casos de assassinatos, presencia-se o consumo e tráfico de drogas e a pros­tituição. Apenas na aldeia Matões, pró­xima ao porto do Pecém, foram abertas seis casas de prostituição.


Luta por reconhecimento


Em 2001 o povo Anacé iniciou seu processo de luta pelo reconhecimento territorial e étnico. Romperam com o silêncio resistente, estratégia utilizada por diversos povos indígenas, principal­mente do Nordeste, desde as últimas décadas do século XIX. Lideranças Anacé começaram a animar e organizar o povo com reuniões, assembléias e, so­bretudo, a prática do ritual na busca de uma terra livre, discernida e orientada pelos Encânticos da mata e do mar.

Assembléia Anacé

No dia 18 de outubro de 2008, o povo Anacé realizou mais uma assem­bléia. Escolheram o tema “A luta do povo Anacé pela conquista do território tradicional”. Participaram cerca de 200 indígenas (das comunidades Aledias de Matões, Japuara, Santa Rosa, Grigório, Área Verde, Chaves, Bolsas, Tapuio, Ta­buleiro e Tocos), representantes do MPF no Ceará e aliados (Cimi, Pastoral dos Migrantes, Grão - Grupo de resistência ambiental, UFC, UECE, UFPB).
Os indígenas fizeram demonstra­ções do Toré e refletiram a situação de violação de seus direitos. Ao final, pediram que o MPF/CE solicitasse o fim da intervenção do governo do estado no território Anacé. Os procuradores da República no Ceará Francisco de Araújo Macedo Filho, Alessander Sales e Márcio Torres redigiram e enviam ao governador do Ceará uma recomendação de suspen­são dos procedimentos de desapro­priação do território. “A desapropria­ção e remoção dos Anacé causaria dano irreparável a esse povo indígena e colocaria em risco sua reprodução física e cultural, segundo perícia téc­nica realizada por um antropólogo do MPF/CE. A demarcação da terra já foi recomendada pelo Ministério Público Federal à Fundação Nacional do Índio”, diz o documento.


Alexandre Fonseca
In. Jornal Porantim, N. 311, dezembro/08, p. 10.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Caminho da cruz

caminhar por entre a ordem cristalizada
cruz

ousar num meio de mesmice
cruz

sonhar por entre desfalcadores de utopias
cruz

amar conjugado no verbo sofrer
cruz

24.março.09

Alexandre Fonseca

terça-feira, 26 de maio de 2009

Anuncio dos passarinhos

despojamento na quaresma
em preparo da páscoa
se eu fosse místico, tenho um tempo certo e adequado
se eu fosse poeta, tenho um sofrer movido pelo amor
se eu fosse louco, tenho mundos inteiros para correr


os passarinhos não tardam anunciar um novo dia
acordarei nos braços de seus cantos
na pintura que o sol criança brinca com o céu

escrevo porque assim re-significo o que não faz sentido
e nisto
rompo sem sair
penteio a contra pelo o que parecia querer me vencer
na contramão do que se pensa caminho
deposito ovos e raízes nas rachaduras
escrevo e remergulho em meus delírios
extrema contestação
escrevo porque fico pacifico em estado de guerra

os passarinhos não tardam a chegar
voarei com eles
porque sou passarinho
riscos caminhos inusitados nos céus dos mundos que me dá na doida
um passarinho

não tarda raiar o dia
a liberdade de amar nas infinitas e livres formas
não tarda
não tarda
não tarda

o dia avisado pelos passarinhos
o arbítrio extinto
e o caminhar por fazer pelos que amam


Alexandre Fonseca
24/março/09

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Fundamentos da educação

Caminho aberto
Rasgos na infinitude da criatividade
Riscos balbuciando ensaios e histórias de amor
Ternura e encantamento
Prazer e deleite
No gozo do saber
do conhecer
do aprender ensinando
do ensinar aprendendo
Aprender a conhecer
Aprender a fazer
Aprender a viver juntos
Aprender a ser
Viver a plena alegria de viver
Remar no oceano da liberdade
Rememorar Freire, Darcy, Assmamm e outros anjos
Remir lapsos
Remover obstáculos
Re-mudar caminhos

Alexandre Fonseca
15.janeiro.09

domingo, 24 de maio de 2009

O céu está no meio de nós



Depois da páscoa Jesus "subiu ao céu e sentou-se a direita de Deus Pai". Desta maneira rezamos em nosso credo. Muita gente acha que Jesus mora no céu e vai permanecer lá até que um dia voltará, no fim do mundo, onde virá para julgar os vivos e os mortos.

Lucas escreveu, por inspiração divina, dois livros: o evangelho (que leva o seu nome) e os Atos dos Apóstolos que narra, sobretudo os primeiros caminhos da Igreja. Nos Atos dos Apóstolos, Lucas descreve o episódio da ascensão de Jesus (cf. Atos 1, 4-11). Conta que Jesus conversa com os apóstolos, despede-se e, em seguida, “foi levado ao céu à vista deles”. Depois uma nuvem o encobre. É importante observar o que Lucas destaca logo depois: os apóstolos continuam olhando para cima na tentativa de ver Jesus. Ficam lá olhando, olhando. Então aparecem dois homens vestidos de branco e perguntam: “por que vocês estão aí parados, olhando para o céu?” E explicam que “esse Jesus que foi tirado de vocês e levado para o céu, virá do mesmo modo com que vocês o viram partir para o céu”.

Imaginamos o céu como um lugar geográfico, em cima da terra, além das nuvens. Um lugar bom e desvinculado de nosso cotidiano, do mundo, do vale de lágrima em que vivemos. Muitas vezes queremos recorrer a Deus dirigindo nossas preces olhando para o céu. Não é olhando para céu que encontraremos Jesus, mas olhando o mundo, especialmente as pessoas que sofrem.

Tem muita gente que alimenta sua espiritualidade com reflexões e práticas desvinculadas do cotidiano, das tramas da vida e do mundo; isolam-se e ficam a buscar força e discernimento fora do mundo. Jesus já está presente em nosso meio. A subida ou ascensão de Jesus ao céu não implica em sua ausência no mundo. Ao contrário, ele permanece em nós, cuida de nós, atua nas tramas da história.

Jesus já tinha advertido que ficaria presente no mundo. Ou seja, para ver Jesus é preciso olhá-lo no mundo. Cuidar de quem sofre é cuidar do próprio Jesus. Assim quando a gente dá comida a quem tem fome, alimenta Jesus; oferece água a quem tem sede, sacia Jesus; visita um doente, conforta Jesus. Noutra ocasião Jesus disse que estaria no nosso meio quando nos reuníssemos em seu nome, tanto na oração como na ação.

Precisamos de momentos para rezar. Estabelecer um tempo só nosso de pura intimidade com Deus. Contemplar a Deus para melhor reconhecer Jesus presente nas pessoas que sofrem. Alimentar numa espiritualidade encarnada nos aparelhando para a peleja da vida nos mundos.

O Reino de Deus está muito perto. O céu está no meio de nós, como está no nosso meio o Reino de Deus, tantas vezes anunciado por Jesus. Jesus aponta sinais da presença do Reino de Deus em nosso meio. Escolhe variados exemplos desta presença entre as crianças, os pecadores, os doentes, as meretrizes. O exercício da misericórdia é a historicização do céu. O céu está ao nosso alcance. Como disse certa vez o monge Anselm Grun: “o céu começa em você!”.

Alexandre Fonseca

sábado, 23 de maio de 2009

O menino, a olivetti e a amiga



Escrevo minha primeira carta desde que você partiu para o além mar. Resolvi acordar a velha máquina elétrica de escrever do padre José. Não sei bem bulir nela. Recordo dos meus nove anos quando olhava meu pai datilografar os inquéritos e outros procedimentos de delegado especial do interior cearense. Ele usava os dois dedos indicadores, mas tinha boa agilidade. Faz assim até hoje em seus bem vividos oitenta e quatro anos. Claro que era proibido da gente brincar na olivetti, mas menino é menino. Assim aprendi a colocar o papel e descobri muitas coisas do funcionamento da máquina, entre carões e puxavancos de orelhas.

No segundo grau tive aula de mecanografia em uma escola pública. Muitos alunos e algumas máquinas disponíveis. Recusei-me a aprender a utilizar todos os dedos e o professor pouco estava interessado em ensinar. Não sei como fui aprovado. Com a chegada dos computadores abandonaram de uma vez a máquina de datilografar.

A barragem sangra. Toda hora um monte de gente olhando. Ficam horas. Muitos comentários das sangrias anteriores, de quando transbordou por cima da pista. O dia de hoje é de sol depois de uns dias de chuva e chuvisco. Bonito! Roupas de todas as cores estendidas em varais de muitos quintais. Gente satisfeita perambulando pela rua. Fiz uma saidinha para comprar envelopes e sacar dinheiro para a viagem de amanhã. Hoje são 22 de abril, data oficial do processo de invasão dos territórios indígenas. Não escutei nenhum comentário a respeito.

Ei, quando se escreve em máquina de escrever é preciso colocar duas folhas de papel. A debaixo serve como forro para proteger o rolo preto. Assim ensinava meu pai quando a gente, já adolescente, podia utilizar a máquina dele.

Como vão os estudos? E a lida com a saudade? Penso que os piores tempos já foram enfrentados. Conte uma, duas, três descobertas!

Se essa máquina fosse manual eu saberia ser um pouco mais criativo na formatação desta carta, se se pode chamar estas mal traçadas linhas de carta. As cores das letras podem mudar, vejo agora. Vou fuçar a bichinha. Certamente tem bons recursos, talvez mais vantajosos que a manual. Ei! Descobri como se faz para romper com a trava do espaçamento.

Você vai escrever também uma carta? Não é preciso. E-mail é mais rápido. Não escrevo nesta velha máquina, brinco com ela. Estou brincando, recordando meus tempos de menino que nunca acabaram.

Quando esta carta chegar aí já se passaram vários dias. Era assim décadas passadas; e séculos antes, meses. Tudo muda e nada muda. Gosto desta lógica sem lógica, desta lei sem lei. O povo budista vive com essas arrumações aqui tidas como paradoxo. Rejeito o conceito de paradoxo, mas não saberia qual para explicar o que não se pode explicar.
Vamos almoçar?

Alexandre Fonseca

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Oração de envio

Seu olhar seja ouvir
Seu ouvir seja olhar
Seu viver seja sonhar
Seu sonhar seja viver

Aprenda como as crianças
Deseje como as amantes
Sonhe como as profetizas
Ouse como as loucas

A luz do Espírito e dos Encantados alumine seu caminho
A sabedoria do Espírito e dos Encantados inunda sua mente
A ternura do Espírito e dos Encantados engravide seu coração
A força do Espírito e dos Encantados feche seu corpo
A paz do Espírito e dos Encantados invada seus mundos
A bênção do Espírito e dos Encantados habite em sua vida



Alexandre Fonseca
Chapada dos Guimarães – MT, 26/junho/08

quarta-feira, 20 de maio de 2009

O povo indígena Anacé e o complexo industrial e portuário do Pecém


O Estado tem sido o principal inimigo dos povos indígenas no Brasil. Na história do povo Anacé não tem sido diferente. No século XVII o Estado invade seus territórios para facilitar a entrada dos empreendimentos coloniais. Nos últimos quinze anos o pesadelo da intervenção do Estado reaparece, reeditando a mesma lógica colonialista: remover o povo para que os empreendimentos privados se instalem em seus territórios.

História de luta e resistência.

O povo Anacé aparece na literatura desde o século XVII. Padre Antonio Viera cita este povo em sua Relação da missão da serra de Ibiapaba. O historiador Carlos Studart Filho, em sua obra Notas históricas sobre indígenas cearenses atesta que os Anacé moram junto à costa, eram guerreiros e indispostos a submeter-se ao novo reordenamento imposto pela Coroa portuguesa. Em 1666 o capitão mor Mello Gusmão ordena que se faça guerra “levando tudo a ferro e fogo e matasse todos os varões em estado de pegar em armas”. Em 1694 Fernão Carrilho sitiou parte dos Anacé a oito léguas ao Norte da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, onde permanecem até hoje. O historiador Capistrano de Abreu em sua obra Capítulos de história colonial & caminhos antigos do Brasil registra que em 1749 foi redigida a Informação geral de Pernambuco onde atesta que a aldeia Anacé era administrada pelos jesuítas. Pedro Theberge, também historiador, confirma este dado e sua obra Esboço histórico sobre a província do Ceará.

A enciclopédia dos municípios brasileiros, editada pelo IBGE em 1959, afirma que o nome do município São Gonçalo do Amarante “foi mudado para Anacetaba (...) por força do decreto lei Nº 1.114, de 30 de dezembro de 1943. Anacetaba significa aldeia dos Anacés, por terem aí habitado índios dessa tribo”.

O Sr. Raimundo Joaquim Anacé afirmou em 2004, quando na ocasião tinha 80 anos que “nasci aqui no Cambeba. Nunca sai daqui. Minha mãe e minha vó também” (depoimento recolhido no dia 02/11/04). Sr. Joaquim Pereira Barros, Quincas Pereira, 84 anos, assegura que o cemitério do Cambeba é indígena. Ele relata em cordel:
“Um dia morreu um chefe / De uma febre tremenda / Reuniu-se as duas tribos / Numa grande choradeira / Enterraram o velho índio / Embaixo de uma pitombeira
Cercaram aquela cova / Com uma cerca de madeira / E com muita devoção / As velhas índias rezadeiras / rezavam por seu defunto / com saudade verdadeira.
O Sr. José Carneiro / era meu tetravô / aumentou o cemitério / crescendo para três lados / com cerca de pau a pique / foi bem conservado / neste mesmo cemitério / este homem foi enterrado”.
Estas frases que escrevi / São histórias verdadeiras / Narradas pelos Caetanos / e pela família Pereira / o Raposal do Coqueiro / E o Adão da Pitombeira”.

Nova investida colonialista do Estado

Os Anacé viviam em seu território tradicional sem maiores problemas até o dia em que o Governo do Estado do Ceará resolve escolher sua terra para assentar um grande negócio.
No dia 05 de setembro de 1995 o Governo do Estado anuncia o início das obras de um empreendimento industrial e portuário no território Anacé. Três séculos antes expulsavam e matavam com a força militar, de mercenários ou capangas. Hoje com decreto de desapropriação ilegal, mas de resultados tão nefastos como antes. Cerca de cem famílias Anacé já foram obrigadas a deixar seu território tradicional. O Estado criou três assentamentos, antes denominavam de aldeamentos. Aos olhos do Estado cego de ganância, tudo vira mercadoria.
É macabro o preço que o Estado avaliou e pagou de ‘indenização’ das árvores: carnaubeira: R$ 0,30, mangueira: R$ 15,00, coqueiro: R$ 30,00 e cajueiro: R$ 30,00.
Certamente os critérios utilizados na avaliação destas indenizações não consideram nem ao menos o valor de mercado dos produtos oferecidos por estas árvores. A carnaubeira fornece a palha para cobrir casas, fazer chapéu, surrão, bolsa, esteira, corda, saia; a bagana, excelente adubo natural; cera, frutos, madeira para construção de casas. Trinta centavos! Tenham paciência! Um chapéu de palha de carnaúba custa R$ 5,00. A carnaúba tem valor inestimável, foi instituída árvore símbolo do Ceará (decreto nº 27.413 de 30/03/04). E o cajueiro? Um bom cajueiro produz em sua safra cerca de 80 kg de castanhas. Com esse valor de R$ 30, 00 não se consegue comprar nem 5 kg de castanhas.
O Estado desconsidera a presença dos Anacé que passam a ser visto como obstáculos que precisam ser removidos, assim declarou, dias atrás, o Governador Cid Gomes na TV Diário, repetindo o que o presidente Lula falou no ano passado. Não apenas os índios são visto como obstáculos, mas também a legislação ambiental. Neste caso, o Governador chamou de burocracia que atrasa o cronograma das obras. O Sr. Antonio Balhmann, presidente da Agência de Desenvolvimento do Ceará – Adece – que esteve reunido com negociantes da empresa Cargo Ventores, dos EEUU, declarou no jornal Diário do Nordeste (10/02/09) que “eles estavam querendo começar até o final deste ano, mas tem toda uma burocracia a cumprir, como a expedição de licenças ambientais, o que deve prorrogar o início (das obras) por mais tempo”. A empresa Cargo Ventores controla a zona livre Miame e “pretende investir na construção da infra-estrutura de carga refrigeradas no porto do Pecém”, território Anacé. Precisa ser dito que os organismos estatais que deveriam proteger o meio ambiente são do mesmo Estado que promove o assalto e saque do território indígena.

Vexames e mortes

Em setembro do ano passado, visitando a aldeia Tapuio, conversei com dona Raimunda Pereira Duarte. Ela me disse na ocasião: “Seu vigário está muito mudado nosso lugar. Cercaram ali e estão cavando buraco e tirando terra. Tem buraco mais fundo que um poste daquele (apontou para um poste da rede elétrica). Só não vou lá mostrar ao senhor porque meu coração não agüenta”. Dona Raimunda morreu de insuficiência cardíaca, cerca de um mês depois, no dia 25 de outubro de 2008. O Estado é o responsável por esta morte. Assim como pelas mortes dos 36 anciões Anacé que foram arrancados de seus territórios, cito alguns: Hipólito Neves, Maria Milagre, Zé Severiano, Emília Atanásio, Chico Freire, Diomar, Nenzinha, Enelson, Raimundo Preto, Totó, Raimunda do Seo Raimundo, Rita da Rocha, Jonas Rafael, Zé Bernaldo, Cloves Balbino, Nestor, Chico Adolfo, Pedro Camilo e Zuza. O Seo Zé Severiano antes de morrer retornava à sua terra e, chorando e gritando, abraçava e beijava seus cajueiros, mangueiras e coqueiros.
Outros Anacé morram por atropelamentos e por suicídios; além de outros vítimas de assassinatos movido pelo tráfico de narcóticos que chegou na localidade junto com o porto do Pecém.
Outrora os Anacé eram perseguidos, muitos assassinados, outros expulsos de seus territórios pelo Estado a tiros e espadas. Hoje o Estado mudou o estilo, mas é o resultado é o mesmo.

O Estado atende interesses dos grandes negociantes

O Estado age desta maneira para atender aos interesses dos grandes mercadores que saqueiam nossas riquezas e batizam estes famigerados atos de desenvolvimento e progresso. Escolhem os locais desconsiderando seus habitantes, oferecem gratuitamente o espaço físico aparelhado de toda a infra-estrutura necessária, feita, claro, às custa do dinheiro público e ainda galhardeia os empreendimentos com isenções de impostos.
Cabe ampliar nossa visão destes atos nefastos do Estado. Não é apenas o povo Anacé atingido nesta ação mercantil. O Brasil inteiro assiste uma nova invasão. O Governo Federal investe em infra-estrutura para receber os novos invasores. Chama este gesto de Programa de Aceleração do Crescimento - PAC. 210 obras do PAC atingem povos indígenas. O Balcão de negociação dar-se, muitas vezes, no exterior. Presidente Lula chegou a dizer na Itália, certa vez, que o único risco para os empresários de investir no Brasil era ter lucro.
O Nordeste brasileiro está sendo palco de um grande negócio. O Ceará parece querer liderar este processo. Recentemente o Governador Cid Gomes esteve na Alemanha e nos Estados Unidos. Esta semana negociantes americanos sobrevoaram o território Anacé olhando onde o Estado reservou para seus empreendimentos.
A lista das obras de infra-estrutura no NE é imensa:
a) Porto do Pecém – para exportação do produtos. Atinge o povo Anacé.
b) Ferrovia Transnordestina que interligará os portos de São Luis (MA), Suape (PE), Pecém (CE) e Ilheus (BA). Esta obra atinge povos indígenas no MA, PE, CE e BA
c) Transposição do rio São Francisco para garantir segurança hídrica. Esta obra atinge 27 povos indígenas
d) Barragens e açudes.
e) Hidrelétricas e termelétricas
f) Gaseodutos
g) Ampliação de aeroporto de passageiros e cargas
h) Duplicação de rodovias
i) Rodovia próxima do oceano atlântico interligando do sul da Bahia (Linha Verde) aos lençóis do Maranhão. No Ceará, cinicamente chamada de estruturante.
Os negócios já instalados ou em vias de instalação, todos voltados para o mercado externo:
a) Siderúrgicas (MA, PE e CE)
b) Refinarias (MA, PE, CE)
c) Indústrias petroquímicas (MA, CE, PE)
d) Indústrias diversas (cata-ventos para energia eólica; ração animal, dentre outras)
e) Fruticulturas, floricultura

Amor e pertença a terra

O povo Anacé organiza-se e articula-se com o Movimento Indígena e aliados para enfrentar os desafios. Na IX Assembléia dos Povos Indígenas do Ceará, Conceição Anacé afirmou: “Cada um que luta pela terra é porque tem amor por ela. Aí eu vou lá. Qualquer coisa que ofende a terra eu vou lá. O reassentamento onde colocaram nosso povo é um crime. Quando se fala em desapropriação a gente vê idosos chorar. Quem tem fé em Deus a esperança pode arriar um pouquinho, mas não desaparecerá. Se somos um povo só, se somos todos parentes, vamos lutar pela terra. Eu nasci aqui, me criei aqui e vou morrer aqui. Só merece a terra quem derramou suor como adubo”. A próxima Assembléia Estadual dos Povos Indígenas do Ceará será no território Anacé.
O povo Anacé, como todos os povos indígenas do Brasil e do Continente, luta para garantir seus direitos territoriais e étnicos e para construir um estado democrático pluri-nacional e multi-étnico.

Alexandre Fonseca

terça-feira, 19 de maio de 2009

Enchente, solidariedade e risco de corrupção

Nestes dias visitei um casal de jovens. Casaram-se em dezembro do ano passado. Alugaram uma casa. Os dois trabalham em uma fábrica de calçados. No início de maio acordaram por volta das 23:30h quando uma forte corrente de água invadia sua residência. Em poucos minutos parecia um rio carregando seus pertences adquiridos com muito esforço. Vexame e desespero pareciam querer dominá-los. Gritam por socorro. A vizinhança aparece e com muito empenho tratam de salvar o que podem como se a situação fosse com eles mesmos. “A aflição era muita, mas sentia uma grande alegria vendo e sentido a solidariedade dos vizinhos”, disse o jovem operário.

As chuvas vêm promovendo medo e apreensão e, ao mesmo tempo, solidariedade. Gestos bonitos afloram em abundância. A solidariedade é a maior riqueza dos povos. Pena que esta atitude não ocorra também em situações emergenciais que se tornaram crônicas como luta pela reforma agrária e urbana, e a luta pela demarcação dos territórios indígenas.

A casa alugada pelo jovem casal foi construída no canal por onde passa o sangradouro de um açude. O proprietário cuidou de colocar um bueiro de pequeno diâmetro, mas insuficiente para uma maior vazão de água. Conseguiu licença da Prefeitura para o empreendimento ilegal e irresponsável.

As chuvas são sempre bem-vindas no semi-árido nordestino. Quase não há rios perenes. Águas correndo nos rios só por ocasião dos períodos chuvosos. Cessam as chuvas, secam-se os rios. As chuvas promovem brilho nos olhos e acordam sonhos de fartura e dias melhores.

Porque as chuvas estão promovendo tanto transtorno nos últimos tempos no semi-árido?

Todo município precisa de um Plano Diretor que deve, dentre outras coisas, planejar e controlar o crescimento urbano. Ao Estado cabe proteger e preservar o meio ambiente, sobretudo os rios e matas ciliares, lagoas, mananciais, mangues. Ou seja, deve regulamentar a ocupação e uso do meio ambiente de forma responsável. Não é preciso muito esforço para se ver aterros criminosos, loteamentos clandestinos ou com licenças compradas nos organismos que deveriam proteger o meio ambiente. Governos estaduais e federal anunciam liberação de verbas. Como se trata de situação de emergência não precisa de licitação para compras de alimentos, água potável, cobertores, colchões, reconstrução de casas, estradas, dentre outras providências. O risco de corrupção é medonho.

Alexandre Fonseca

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Do pé de cachimbo, domingo

Neste domingo tem sol e cai um pequenino chuvisco,
céu azul com nuvens brancas e grávidas.
Ontem o Aracati soprou pela noite
anunciando em nossos rostos os inícios do verão.
A cidade é um silêncio conventual,
passarinhos brincam
fazendo-se notar.
Da janela vejo flores amarelas e vermelhas.
Sinto sua presença,
luz não precisa do corpo,
presença também não.

Do pé do cachimbo, domingo
amenidades,
preguiça.
Escrever por absoluto prazer;
como namorar,
deleite desgovernado de razões;
gratuidade esparramada,
jorrada do coração.
Dobra-se o mundo:
o além-mar aqui,
o aqui, além mar


Alexandre Fonseca

domingo, 17 de maio de 2009

Amem-se uns aos outros (João 15, 9-17)

Amem-se uns aos outros. Síntese da magnífica mensagem de Jesus aos povos. Ele mesmo fez isso. Amou a ponto de entregar completamente sua vida. Gesto máximo de amor.

Não é retórica. Ele faz e seu fazer torna-se sua principal pregação. O testemunho fala mais que o discurso. Ele diz que nos ama e permanece no amor porque o Pai {Deus} o ama. Jesus nos ama. Este é o alicerce de nossas práticas amorosas. Amando-nos uns aos outro permaneceremos no amor.

Amar até as últimas conseqüências. Mas não precisamos começar partindo desta radicalidade. Experimente começar dedicando alguns minutos de sua vida a uma pessoa que está sofrendo. Parar e olhar com mais atenção. Calar-se e ouvir com mais dedicação. Libertar seu carinho e oferecê-lo gratuitamente. Repartir a esperança. Partilhar alegria e expectativas. Romper com os grilhões do egoísmo e da prepotência. Caminhando nesta estrada seremos capazes de radicalizar nosso amor, a ponto de abraçar a glória do martírio.

Jesus nos chama de amigos. A amizade é um espaço eclesial. A amizade perpassa família e povos. É o amor rompendo fronteiras. É a expressão explicita do amor; do bem querer entre as pessoas. Na amizade compartilhamos nossas satisfações, tristezas, desilusões; nossos desejos e sonhos. A amizade é o espaço de liberdade e franqueza: podemos dizer sim, podemos dizer não, podemos dizer talvez, podemos abrir nosso coração sem receio de dizer o que se sente.

Amar uns aos outros dá fruto. E fruto permanente porque o amor é permanente. Permanente, criativo e infinitamente inventivo, como gostava de dizer Vicente de Paulo. O poder do amor é imenso. O amor nos dá o poder de guardar, de proteger, de fortalecer a vida. Jesus nos transmite esse poder quando amamos uns aos outros: qualquer coisa que pedirmos a Deus Pai nos será dado.

Tudo está ao alcance de nossas mãos, basta amar. Amar sem limite. Amar a ponto de morrer por outra vida. Vida pelas vidas, nas palavras do poeta e bispo Pedro Casaldáliga.

Alexandre Fonseca

sábado, 16 de maio de 2009

Dizer-se

Nunca mais escrevi

Carreguei dentro de mim

E ficou sem ficar quieto

O desejo de dizer-se

Mostrar-se em palavras

O que não cabe nelas


Alexandre Fonseca
21.set.06

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Conversa com Deus

Meu pai
estou precisando de ajuda
não tenho conseguido me concentrar
ando agitado
solto
feito folha ao vento
queria ter passos rotineiros
repetidos cada dia na magia do ouvir
amansar
compreender e amar
romper com a necessidade de ser compreendido e amado
rezar, queria eu aprender
nadar e mergulhar perto de Ti
bem pertinho
brincar
olhar
ouvir
amar


Alexandre Fonseca
04.abril.07

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Os galhos, a planta e o agricultor (João 15,1-8)

Sempre me espanto e me surpreendo da maneira como Jesus toma como base de seus ensinamentos coisas ou fatos absolutamente simples e corriqueiros, tão presentes no cotidiano que a obviedade parece esconder tesouros preciosos. Quem nunca cortou um galho de uma planta? Quem nunca concluiu que tal procedimento provoca a morte daquele pedaço, e se, no tempo apropriado, esta poda promove mais vida e frutos na referida planta?

Partindo da obviedade Jesus apresenta Deus Pai como agricultor, ele próprio como planta e nós como galhos. Cabe ressaltar que nos galhos brotam flores que se tornarão frutos. As flores e frutos da planta divina dependem de nós, de nossa vida, de nossos gestos, de nossas ações.

Como permanecer em Jesus? Buscar respostas a esta pergunta pode apontar caminhos repletos de variadas flores e frutos, feito o sertão nordestino engravidado de inverno.

A palavra de Jesus permanecendo em nós é a mesma coisa que Jesus permanecer em nós. Ou seja, permanecer em Jesus é buscar viver a sua palavra em nossas vidas. Palavra e vida confundem-se, o verbo se faz carne. O centro da palavra de Jesus é o amor à vida, em todas as suas multiformes maneiras de existir. Pertencemos e permanecemos em Jesus quando orientamos nossa vida em busca da vida plena e digna. A vida no universo, na natureza donde nós somos parte dela. O salmista admira-se de Deus ao nos tomar como pupilas diante de toda criação: somos mais que ovelhas e bois, mais que aves e peixes, mais que lua e estrelas (cf. Sl 8). Cuidar da vida é o vínculo que nos une a videira que é Jesus.

Se permanecermos em Jesus e se suas palavras permanecerem em nós, a força do amor reveste-se em nós e tudo o que pedirmos nos será dado. Removeremos as montanhas do medo, do egoísmo, da soberba, da indiferença.

Alexandre Fonseca

quarta-feira, 13 de maio de 2009

13 de maio, a lei áurea e a lenda

Machado de Assis escreveu em setembro de 1876 uma crônica sobre o grito do Ipiranga. O Bruxo do Cosme Velho comenta que um leitor reclamava “pela Gazeta de Notícias contra essa lenda de meio século. Segundo o ilustrado paulista não houve nem grito nem Ipiranga (...) Houve resolução do Príncipe D. Pedro, independência e o mais; mas não foi positivamente um grito, nem se deu nas margens do célebre ribeiro (...) Minha opinião é que a lenda é melhor do que a história autêntica. A lenda resumia todo o fato da independência nacional, ao passo que a versão exata o reduz a uma coisa vaga e anônima” (MACHADO DE ASSIS, Obras completas. RJ, Nova Aguilar, 2006, p.346-347).
Aprendi nas aulas de História do Brasil, em minha adolescência, que no dia 13 de maio de 1888 a princesa Isabel assinou a lei áurea. Trata-se da Lei 3.353 que libertou os escravos do Brasil. Uma lenda! Uma lenda que esconde as lutas, os levantes, as insurreições, as guerras, as prisões, as torturas, as perseguições, as discriminações de muitos escravos e abolicionistas. Lenda que nega a participação popular, imensamente criativa e heróica, canalizando tudo para uma princesa que faz a redenção pela ação mágica de uma caneta (pena), como uma fada madrinha e sua varinha de condão.
Esta lenda esconde também os interesses mercantilistas do império britânico e a expansão do capitalismo industrial que exigia uma nova versão da escravidão: a mão-de-obra assalariada.

Alexandre Fonseca