quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Brinquedo dos ventos


Sinto as macumbas do querer escrever descendo
mexendo
dançando
cantando

domina completamente meu ser
fico absolutamente livre
e vai descendo
subindo de lugares secretos de minhas vidas e mundos

entrego-me
feito leito de rio correnteza abaixo
nuvens como brinquedo dos ventos
Encânticos pelas matas e mares

não sou mais eu
não há mais eu
só vendaval na mansidão inspiradora

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

cores


as cores lá fora vão reinventando tonalidades

os amarelos das flores sorriem

os verdes das folhas brincam com seus tons

e você, pertinho,

e no além mar

domingo, 2 de agosto de 2009

Vocação para a vida


Hoje começa o mês de agosto, mês das vocações.
A primeira vocação é a vocação da vida, na vida, pela vida.
Viver, viver bem
Viver com qualidade de vida é nossa primeira vocação.

Quero apresentar a Patrícia
Uma jovem que a cerca de dois meses sofreu um grave acidente de moto
Quebrou o fêmur e dois dedos da mão.
Visitei a Patrícia em sua casa uns quinze dias depois.
Fui lá olhar e ouvir.
O que vi e ouvi foi um extraordinário exemplo de vocação para a vida.
Eu passei a visitá-la cada dia – dos meus dias que passava em Quixeramobim.

Em todas as minhas visitas a Patrícia
Não me recordo de tê-la visto ou escutado reclamar da vida,
Queixar-se de está deitada na cama, por exemplo .
Antes do acidente ela levava uma vida solta e livre
Feito vento que não suporta muros ou espaços fechados,
Tanta vida que não cabia dentro dos limites tidos como ‘normais’ da sociedade.

Pois bem,
Eu nunca vi ali naquela jovem reclamação, tristeza, amargura.
Impressionante!
Eu, às vezes, perguntava: “você está bem?”
“Sim, padre, estou.” Respondia.
Eu, burro, perguntei, certa vez, se não era ruim ficar ali deitada na cama.
Ela respondeu sem reclamar.

Eu acredito na presença e anúncio de Deus no testemunho da Patrícia.
Eu ia lá, diariamente, olhar e ouvir um exemplo estupendo de vocação para a vida.

Ontem Patrícia retirou os pontos da cirurgia dos dois dedos.
Seis horas de espera no hospital público.
A radiografia da cocha apresenta um problema. O médico anuncia que o processo de cicatrização do osso apresenta dificuldade e talvez seja preciso uma outra cirurgia com enxerto – contou-me sua mãe.
Não vi nem ouvi reclamação da Patrícia. Ela estava mais preocupada com uma outra jovem e mãe acompanhada de um filho doente e já medicado, que precisavam de uma condução para chegar a sua residência.
Fomos até o bairro Sabonete levar aquela mãe, lugar bastante afastado do centro da cidade.
Feito isso, convidei Patrícia para conhecer a ‘Casinha’ (Comunidade Mariana Boa Semente).

Vocação pela vida,
Essa é nossa primeira vocação.
A segunda vocação é a gente saber olhar e ouvir Cristo presente no cotidiano de nossa vida.
Ver Cristo ao nosso lado, a nossa frente, ao nosso redor, cada hora, cada instante!
Apenas isso!

Estamos aqui nesta bonita manhã onde jovens de várias cidades cearenses estão brincando de discernir suas vocações.

Aprendam a arte de viver e de saber enfrentar o sofrimento, de superar limites, como ensina, sem falar nada, a jovem Patrícia.
Aprendam e aperfeiçoem a arte do olhar e do ouvir.

O evangelho de hoje (Mateus 14, 1-12) descreve um banquete: o banquete da morte!. Trata-se da vocação para a morte. Eu prefiro chamar de des-vocação, pois vocação é sempre para a vida.
Se a gente tiver o cuidado de ler os versículos seguintes, Mateus apresenta o banquete da vida: a repartição dos pães.

O mundo apresenta duas possibilidades de banquetes: da vida e da morte.
Banquete da morte quando abusamos da comida, da bebida, dos amigos, da família, da vida. É a des-vocação.
Banquete da vida quando enfrentamos com esperança as tribulações, repartimos alegria e sonhos na arte sábia do olhar e do ouvir Deus nos mundos.

Homilia por ocasião do Despertar Vocacional da Comunidade Mariana Boa Semente
Quixeramobim, 01.agosto.2009

Alexandre Fonseca





sábado, 27 de junho de 2009

Dom Aloísio Lorscheider e a luta dos povos indígenas


Deixamos de ter medo e começa­mos o movimento” afirma, com entusiasmo, a liderança Ivonil­de Tapeba, a respeito do papel de Dom Aloísio Lorscheider na luta pelo reconhecimento territorial e étnico do povo Tapeba, que desencadeou o movimento indígena no Ceará. Hoje, há 16 povos no estado: Anacé, Tapeba, Pitaguary, Kanindé, Jenipapo-Kanindé, Paupina, Tremembé, Potiguara, Taba­jara, Guarani, Kalabaça, Tupinambé, Kariri, Jucá, Kapuxu e Gavião.

De 1973 a 1995, Dom Aloísio foi Arcebispo de Fortaleza. Em 1982, Dom Aloísio Lorscheider encarregou José Cordeiro, coordenador da Pastoral Rural da Arquidiocese de Fortaleza, de visitar os Tapeba da Aldeia da Ponte, em Caucaia. Três meses depois do primeiro contato Dom Aloísio visitou a área. O medo foi sendo vencido e lideranças começaram a brotar para assumirem os desafios da luta indígena: “Raimunda Rodrigues, da Ponte; Bastião André, do Açude; seo Fernando, Chico Bento e a Virgem (Maria Teixeira) da Capoeira; Cláudio, Ivonilde e dona Zuila, do Trilho; seo Severino, seo Rodrigues e Iracema, da Lagoa” cita Ivonilde alguns dos primeiros nomes que começaram a luta . “Demos início à luta pela terra. Muitas reuniões na Igreja da Sé. Ia um caminhão pau de arara cheio de índio. Lá a gente se reunia o dia inteiro”.

Nasceu assim, a Pastoral Indigenista da Arquidiocese de Fortaleza, que nos anos seguintes participa do processo de luta de outros povos: Jenipapo kanindé, Potiguara e kanindé de Aratuba. Apoia­ram também o povo Tremembé.

A imensa contribuição de Dom Aloí­sio à luta dos povos indígenas do Ceará foi dar visibilidade ao movimento indí­gena. O protagonismo do processo de organização e mobilização dos povos indígenas era dos próprios povos indí­genas. O Cardeal usava sua influência na sociedade cearense e brasileira para que os indígenas aparecessem. Isto os motivava para que rompessem o medo de assumir e viver suas culturas e de recuperar seus territórios.

Mesmo depois de sair da Arquidio­cese de Fortaleza, Dom Aloísio conti­nuou apoiando os povos indígenas do Ceará. Em junho de 2004 ele esteve na aldeia de Bolsas, do Povo Anacé, que iniciava seu processo de luta territorial e reconhecimento étnico. Na ocasião Dom Aloísio declarou: “Vocês estão no caminho certo. É preciso se unirem, se organizarem para a defesa dos seus direitos. Eu lamento não ser mais o ar­cebispo de Fortaleza para ajudar vocês, mas procurem o arcebispo, procurem a Arquidiocese de Fortaleza, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos e não tenham medo. Continuem bem unidos e fiquem firmes, essa terra é de vocês!”

Dom Aloísio foi presidente da Con­ferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) entre 1971 e 1979. Em 1976 foi eleito Cardeal e, entre 76 e 79 foi pre­sidente do Conselho Episcopal Latino Americano (Celam). Ele faleceu em 23 de dezembro de 2007, aos 84 anos de vida.

Alexandre Fonseca
Jornal Porantim, Nº 302, jan-fev/2008, p. 15.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Transposição: Rio São Francisco na mira dos empresários



Debaixo do sol forte, olhando as águas do rio São Francisco, seu Antônio Chico de 79 anos, liderança religiosa do povo Truká de Cabrobó, em Pernambuco, inspirado pelos “encantados”, começou a cantar:

“Nós não aceita, não. Nós não aceita. Os empresários acabar com o São Francisco. O São Francisco é obra da natureza. O São Francisco é o pai dos ribeirinhos. Os empresário têm olho grande de verdade. Os empresário têm ganância pra valer”

Depois de compor em verso, seu Antônio Chico ensaia em prosa:

“E cadê o Ibama? Tá com a boca na sacola. Quando um pobre vai pegar um pau de lenha pra mode se alimentar, sobreviver, o Ibama cai em cima com processo e mete o pobre na cadeia. Quando os empresários querem destruir a natureza de Pernambuco, Alagoas, o Ibama tá com a boca na sacola, não tá dando fé, quer dizer: os empresários prendem o Ibama. Só isso”.

As palavras de seu Antônio Chico traduzem o pensamento das comunidades indígenas e camponesas que habitam a região afetada pelo projeto da transposição.

Um grande negócio

A transposição do rio São Francisco é apenas um dos tentáculos de um grande negócio que começa a ser implementado em todo o Nordeste brasileiro. Trata-se de uma obra de infra-estrutura para acolher empresas privadas de capital internacional que estão vindo se instalar nesta rica e linda região.

O negócio prevê dois tipos de ocupação e utilização do território nordestino. Na costa litorânea, está focado na exploração do turismo com instalações de redes de hotéis e resorts. Através de recursos do Banco Mundial, Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), os governos estão investindo em obras de infra-estrutura para a costa nordestina.

Um desses investimentos é a construção da estrada litorânea que começa no sul da Bahia (Linha Verde) e se estende até os lençóis maranhenses. A modernização dos aeroportos constitui outro fator, assim como a urbanização de centenas de quilômetros da costa, atingindo populações tradicionais e povos indígenas, no caso do Ceará, os povos Anacé e Tremembé.
Já no sertão nordestino, a transposição visa beneficiar grandes empreendimentos voltados à produção de aço, grãos, frutos tropicais e flores para exportação. As obras de infra-estrutura que darão suporte a estes negócios incluem a construção de dois portos - de Suape, em Pernambuco, e do Pecém, no Ceará - que já se encontram em funcionamento. Também faz parte desse projeto a construção da ferrovia transnordestina, que irá interligar sete estados do Nordeste e transportará os minérios de Carajás, no Pará, que chegam ao Maranhão até o porto do Pecém (Ce). A ferrovia dará acesso às futuras bases de produção agrícola do sertão, facilitando o escoamento dos grãos e demais produtos.

Para fornecer a energia necessária ao funcionamento dos grandes empreendimentos, serão instaladas dezenas de usinas termoelétricas, redes de gasodutos, barragens, hidrelétricas e redes de retransmissão de energia elétrica. Já a água para todo este empreendimento virá da transposição do rio São Francisco.

Luta dos povos tradicionais

A luta contra a transposição do rio São Francisco deve ser compreendia dentro da grande luta contra os mercadores mercenários que vêm saqueando nossos povos e nossas riquezas desde o século 16. Esta obra de infra-estrutura atinge os povos indígenas do começo ao fim. Começa em dois territórios indígenas: o dos Truká, em Pernambuco, e dos Tumbalalá, na Bahia. Na extremidade final, atinge o povo Anacé, no Ceará.

Centenas de Anacé foram expulsos de seu território e relocados em três assentamentos. Parte de suas terras foi invadida por canais de transmissão que destinarão a água do São Francisco – por meio da transposição - para a produção de aço na siderúrgica do Pecém, ainda não instalada.

Impedir a transposição do rio São Francisco é uma ação urgente e necessária à sobrevivência dos povos tradicionais. Porém, não pode ser entendida como um instrumento suficientemente eficaz para impedir esta invasão colonial moderna. Tem que ser compreendida como parte de um esquema ainda maior.
A vitória contra a transposição será um grande passo para os povos que lutam por uma terra livre.

22 povos indígenas serão atingidos pela transposição

Pernambuco - Truká, Pipipã, Kambiwá, Pankará, Pankararu

Bahia - Tumbalalá, Kanturaré, Tuxá de Rodelas, Tuxá de Ibotirama, Pankararé, Kiriri, Kaimbé, Xukuru-Kariri de Nova Glória,

Minas Gerais - Xakriabá

Sergipe - Xocó

Alagoas - Karuazu, Koiupanká, Kalankó, Katokim, Geripankó, Kariri-Xocó

Ceará - Anacé
Ceará

Alexandre Fonseca
10.janeiro.08

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Aluísio Matias: história forjada com sofrimento e poesia

Cordões com bandeirinhas sendo colocados na garagem da casa. Alegria nos olhos que vem do coração. Prepara-se o local como quem prepara um altar.

Neste fim de tarde ele não vestirá a camisa na última hora aos apelos do “Tá na hora! Tamos atrasados!”. Não . Desta vez ele aprontou-se duas horas antes. Alheio ao que se passava na garagem, senta-se, vestido de branco, na varanda. Espera os quem vem para a festa. Festa com missa e tudo. Festa modesta, como a missa, aos modos como ele modelou esses oitenta e cinco anos. Modesto e teimoso. Fazedor de história forjada com sofrimento e poesia.

Ali sentado, mergulhado dentro de si, enquanto conversas e risos passeavam pela arrumação do local da festa. Poucos conseguem alcançar a maioridade com tamanha lucidez e presteza. Maior seria a palavra mais adequada para quem testemunha-se em tantas histórias. Se criança é menor porque idoso não é maior? É maior sim. Maior sobretudo em sabedoria, sabedoria esta própria de quem é agraciado por Deus para viver longamente. Maior em experiência e em des-experiências.

Foi de maior que ele explodiu-se poeta. Poesias maduras na adolescência dos primeiros versos.

A festa já acontece. Começa deste quando se pensa em festejar. É como a poesia, existe mesmo antes da gente dizê-la.

Feliz aniversário, meu pai

Alexandre Fonseca

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Teimoso e fixo no sempre sair

vou entregue ao nada e ao tudo
vou livre sem absoluta expectativa planejada
vou feito 'tabula rasa'
absolutamente entregue
uma viagem atordoada e tranquila
espera no saguão do aeroporto
espera tranquila
não sei se confiante, mas não temerosa
espera
espera entregue ao que pode vir
acredita que vi o avião sair de Salvador, dando macha-ré e cochilei e acordei ele plainando sobre um lindíssimo mar? Não vi zoada ou ouvi friozinho na
barriga
nada
simplemente voei

Assim vou a este tempo gaucho
desexpectativado

alisar à contra pêlo tem sido o que sou
às vezes me vem objeções internas propondo o verbo 'se': "Se você tivesse feito
assim..." E vem um monte de 'se' e monta-se um mundo de como seria 'se'. Risos. Depois de algum tempo desmorona-se os mundos dos 'se' e passo a besteirar e mangar
mango de mim
mango dos mundos
mango dos 'se'
mango da vida
mango da morte
mango da sorte
corro livre e preso a minha sina
sina da liberdade
sina do amor
enquadrado na estrutura de modo completamente desenquadrado
sou e não sou
chove e faz sol
vou brincar de bíblia nas tradições luteranas
vou abandonado
vou abandonando
entregue
na contra mão
remando no contra pêlo
se isso é inteligência
nasci nela
me entendi de gente nela
Penso em tirar a barba
chegar outro noutro lugar
experimentar-me diferente
risos
Alguém me viu de sapatos e ficou encantadoramente surpreso: 'seria possível?'
Pensou. Mas não tenho problemas em sapatos, muito menos com
chinelas para promover surpresas no desuso
Sou preso ao nada
sou livre ao tudo
amar você na liberdade dos caminhos, único caminho
Vou assim
sobre as águas condensadas das nuvens
mexer na bíblia
noutra feitura de olhar e crer
Vou no absoluta e no (o que é mesmo o contrário de absoluto?)
Vou
Ficar seria ferir o meu ser teimoso e fixo no sair sempre
Alexandre Fonseca
03/jan/09, sobre as nuvens para o Rio Grande

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Religião, magia e amor

Nas religiões alheias seus deuses agem

E são tidos ou lidos pelos alheios como mágicos.

Na religião não alheia seu deus age

E não é tido ou lido como mágico.

Critérios analíticos e sintéticos sobejantes no alheio.

Não sedo mágico aqui porque ali?

Liberdade é a magia do amor.

Se deus intervém assim

Não intervém, faz magia.


Alexandre Fonseca
25.jan.09

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Ver e reconhecer Jesus (João, 1,29-34)


João Batista, filho de Zacarias e Isabel, prima de Maria santíssima viu Jesus e o reconheceu como Cordeiro de Deus. Em outra ocasião João manda dois de seus discípulos perguntarem a Jesus se ele era o Messias. Sabe como Jesus respondeu? Primeiro Jesus agiu: Curou, libertou, protegeu que sofria e depois mandou os discípulos de João dizer o que viram e ouviram (cf. Lc 7,18,23; Mt 11,1-19)

Quero dedicar esta reflexão sobre a importância do ver e do reconhecer Jesus.

É preciso que a gente veja e reconheça Jesus. É complicado ver e reconhecer Jesus? Não, não é. Vou contar uma história que aprendi do padre Martinho, experiente missionário lazarista, que trabalhou muitos aos no Maranhão. Ele narrou a seguinte história:

Numa cidade como essa aqui de Quixeramobim tinha uma velha, cabelo meio despenteado, que todo dia de manhã saia de casa com uma vassoura, praticamente atravessava a cidade, passava de frente a igreja e seguia adiante. Nunca ninguém viu essa senhora freqüentando a missa. Alguém botou um apelido nela: Maria Vassoura. Então, cada dia, ela passava e muita gente gritava: lá vai a Maria Vassoura; Ei Maria Vassoura! Gritavam. As crianças tinham medo da Maria Vassoura.

Até que um dia umas três pessoas da igreja católica resolveram seguir a Maria Vassoura para ver aonde ela ia todo santo dia com aquela vassoura. Sem dizer nada, seguiram a Maria Vassoura. Certo momento Maria Vassoura entrou em uma casinha, no final de uma ruazinha da cidade. Essas três pessoas entraram na casa. Viram um casal de velhinhos que moravam sozinhos e prostrados em suas redes. Maria Vassoura barria a casa; banhava os velhinhos; preparava a comida. As três pessoas, muito admiradas, perguntaram: são seus pais? Maria Vassoura respondeu: Não, não são meus pais. Nem mesmo eu os conhecia. Certa vez andando por aqui vi os dois abandonados e desde aquele dia passei a cuidar deles. E Maria Vassoura concluiu: cuido deles como quem cuida de Jesus. Desde aquele momento a cidade inteira passou a olhar Maria Vassoura com outra maneira.

Minha gente tem muito Jesus no nosso meio e tem muita Maria Vassoura também! Precisamos aprender a olhar e ver olhar e o Reino de Deus aqui em Quixeramobim; precisamos olhar e reconhecer Jesus no nosso meio.

Precisamos aprender a olhar. Precisamos educar nosso olhar. Tem gente que olha com inveja, com raiva, com maldade. Tem gente que tem olho gordo, mal olhado. Tem até rezas apropriadas para se proteger destes tipos de olhados.

Minha gente boa de Quixeramobim precisamos mudar nosso modo de olhar. Olhar com atenção, com fé, com esperança, com caridade. Precisamos aprender a ser como Maria Vassoura que sabia ver e reconhecer Jesus. Mesmo não freqüentando a missa, as coisas da igreja, sabia ver Jesus naquele casal de velhinhos. Precisamos aprender e fazer como a Maria Vassoura: ver e reconhecer Jesus em que sofre.

E onde podemos aprender isso? Qual a escola que devemos freqüentar?

Tem uma escola que ensina a ver e reconhecer Jesus. Uma escola gratuita, uma escola dada de graça por Deus para nós – a escola da vida.

Minha gente! Na escola da vida podemos aprender a olhar e ver como a Maria Vassoura. E a escola de ensino fundamental da vida é a família! Isso mesmo! Seja a família de sangue, de nascimento, seja a família adotada. Na família a gente aprende a olhar, a falar, a conviver, a brigar, a desbrigar, a perdoar, a repartir, a rezar.

A família é a escola de ensino fundamental da fé, é a escola de ensino fundamental da esperança, é a escola de ensino fundamental da caridade.

Onde vocês pensam que João Batista aprendeu a ver e reconhecer Jesus? Não foi na sinagoga, nem no templo. Ele aprendeu na sua família: com Isabel, com Zacarias, seus pais; com Maria e com José, seus tios.

Precisamos aprender a olhar com fé. E o que é olhar com fé? É olhar com confiança. Confiar em Deus. Acreditar que somos semelhantes a Deus. Mais ainda que isso: que nosso irmão e irmã que sofre é o próprio Jesus. Olhar, ver e reconhecer o Reino de Deus presente em Quixeramobim.
Precisamos aprender a olhar com Esperança. E o que é olhar com esperança? É olhar com otimismo. Enfrentar as dificuldades certos de que Deus caminha com a gente, ao nosso lado. Apesar das doenças, da violência, das traições, das brigas, dos desarranjos, acreditar que vai melhorar. Como dia o ditado: “Tá ruim, mas tá bom!”
Precisamos aprender a olhar com caridade. E o que é olhar com caridade? É olhar com amor, com ternura, com paciência. É olhar com o coração desarmado. É viver como a Maria Vassoura!

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

Alexandre Fonseca
Homilia na trezena de Santo Antonio de Quixeramobim - CE, 06/junho/09.

terça-feira, 9 de junho de 2009

O preço de uma vida


Um homem entra em uma locadora de DVD, dirige-se ao proprietário que se encontra sentado em um tamborete. Sem pronunciar nenhuma palavra saca de um revólver e dispara quatro tiros na cabeça da vítima. Depois foge do local.

A cidade de Quixeramobim amanhece marcada com mais um crime de encomenda ou pistolagem. É o tema principal nas rodas de conversas. Quem mandou matar? Por que? Lembram do último caso? Questões como estas brotam com imensa fartura.

Certa hora, entro numa conversa e pergunto?
- “Quanto deve ser que se paga para um pistoleiro fazer um “serviço” deste?
Alguém diz:
- “acho que uns quinhentos reais”.
- “Quinhentos reais??!! Acha que seria apenas isso?” Reajo.
- “Ora, quando o caso é mais sofisticado, talvez uns mil reais, não mais que isso!” Respondeu sem titubear meu interlocutor.

Martela em minha mente: Quanto vale uma vida? Quais as raízes deste procedimento frio e desumano?

No ano passado aconteceu em Fortaleza um assassinato de encomenda cujo desfecho aponta até onde vai a banalização da vida e perversão do ser humano. Alguém contratou um pistoleiro para matar um vendedor de livros usados. Combinam o preço, metade do valor naquele momento e a outra metade depois da execução do crime. O matador inusitadamente resolveu terceirizar tarefa: contratou, por um pequeno preço, um outro assassino, que era menor de idade.

Na Região Metropolitana de Fortaleza, 85 pessoas foram assassinadas com características de pistolagem entre janeiro a outubro de 2008 (cf. Diário do Nordeste, 08/12/08). É aterrorizador o aumento vertiginoso de casos. Em 1997 foram registrado 8 casos em todo o Estado do Ceará.

Prevalece em nosso meio o mecanismo de controle social utilizado desde o início do século XVII - a eliminação física dos oponentes ou desafetos. Modernizaram-se, talvez, as armas e os veículos de fugas dos executores. Porém, barbárie moderna ou atrasada é sempre barbárie.

Precisamos romper com nossa indiferença, expressar nossa indignação e exigir procedimentos eficazes do poder público, quais sejam apurar os fatos, prender e julgar mandantes e executores.

Alexandre Fonseca

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Santíssima Trindade: perfeição na diversidade


O cristianismo anuncia que Deus revela-se na pluralidade. Deus é três na perfeita unidade. Sempre cabe ressaltar que essa unidade não é uniformidade. São três pessoas distintas, mas não separadas. Uma relação dialógica alicerçada no amor que forma uma perfeita comunhão. Esta possibilidade de deferentes viverem numa convivência fraterna em eterna harmonia e paz apresenta-se hoje como um relevante paradigma.

Ocorre que o cristianismo chegou neste continente revestido de preconceito e intolerância religiosa, imbuído de arrogância teológica. Os missionários, tanto da Igreja Católica como das Igrejas da Reforma, costumavam satanizar as variadas concepções de divindades indígenas e impunham a sua. Cada Igreja adotava a prerrogativa de ser única e verdadeira, anunciando o mesmo Deus trino. Ainda hoje, infelizmente, prevalecem algumas distorções que inviabiliza ou retarda o processo de aproximação e diálogo.

Talvez o desafio de maior envergadura deste novo século seja o pluralismo religioso. Dialogar inspirados no modelo paradigmático da Santíssima Trindade pode ser um caminho frutuoso. O Secretariado para os não Cristãos da Igreja Católica de Rito Romano define diálogo inter-religioso como o “conjunto das relações inter-religiosas, positivas e construtivas, com pessoas e comunidades de outras confissões religiosas para um mútuo conhecimento e um recíproco enriquecimento” (SECRETARIADO PARA OS NÃO CRISTÃOS. A Igreja e as outras religiões – diálogo e missão. 3ª ed., São Paulo, Paulinas, 2003, p.3).

O diálogo requer abertura e acolhimento. Não cabem atitudes como auto-suficiência, arrogância, sentimento de superioridade. No diálogo a diversidade é tomada como preciso valor. Exige humildade na busca da verdade. “É indispensável que a busca da verdade ocorra sem restrições mentais, em espírito de acolhida e abertura, pois ninguém pode pretender uma assimilação plena deste horizonte que está sempre adiante”(TEIXEIRA, Faustino. Ecumenismo e diálogo inter-religioso. A arte do possível. Aparecida, Santuário, 2008, p. 146).

Inspirados na Santíssima Trindade poderemos enveredar pelos caminhos do diálogo na construção de um mundo de paz.

Alexandre Fonseca

domingo, 7 de junho de 2009

Escrever, escrever, escrever


E quando não tiver assunto para escrever? Escreva! Escreva que o assunto aparece. Se não vir, insista. Não se fala sem ter assunto? Tratar amenidades numa roda de amigos, falar ‘miolo de pote’, muitas vezes, são momentos transcendentais.

Escrever tem a magia de se grudar no papel assuntos dos mais diversos, possíveis e impossíveis, como, por exemplo, escrever sem assunto. Outro dia, lembrei-me agora, vi duas crianças brincarem de bola. Corriam e riam bastante. Certa hora a menor delas virou-se para o parceiro e disse: “estou cansado, vamos brincar de descansar!”. A sabedoria da criança de olhar o mundo na ótica da arte do brincar é fantástica e encarna-se aqui neste momento: brinco de escrever, e quando canso, descanso brincando de escrever.

Escreva. É possível, tudo é possível. Mesmo escrever sem assunto. É como namorar. Tem momentos sem assunto. A plenitude está ali acercada pelo silêncio da presença. Qualquer palavra atrapalha. Nem gesto precisa, basta está li perto, sentindo o amor exalar-se em faceirice.

Então escreva! Escreva que a inspiração vem. Ela tem seus truques e magias; seus modos e segredos; jeitos que nos deixam sem jeito. Tece-se emergindo de mundos inimagináveis que moram ou passeiam no nosso íntimo. Vem e invade sem invadir e, de repente, está escrito um texto.

Alexandre Fonseca

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Andarilha


Arranjei um apelido para a vida:
Andarilha.
É.
Andarilha.
Eis a nossa vida!
O que queria mais?
Fixar o coração numa estrada e ficar tentando segurar o trem com as unhas e os olhos vendo-o escapar?
Acho que não!
O negócio é aventurar-se nesta viagem
Dar sugestão de roteiro,
Arredondar o rosto com sorriso nas coisas boas que aparecem

Sim!
Elas existem
E podemos desenhar mais!
A questão é que temos,
Carregamos em nós,
Uma teima
Uma cisma em não ser andarilho

Vida é ida,
Mas cismamos,
Implicamos em ter medo de ir
Ficamos desejando saber tim tim por tim tim desta ida
Colocar os riscos no bolso e andar seguro,
Feito um deus onisciente
Dono absoluto dos segredos, surpresas e mistérios deste ir.
Ficamos brincando de esconde-esconde com a gente mesmo
E acabamos indo por ir
Com os riscos feito ciscos
Nos olhos e no coração.

Andarilha não é limite
É se assumir e viver como se é
O que somos de mais belo
É a liberdade de se fazer.

Alexandre Fonseca
13/junho/1989

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Ato de amor



Poesia que rasga,
que fere,
que rompe,
que anuncia.
Poesia cristalina cristalizada
No colo, no suor e no sangue
De um povo
Que se mostrou povo
Quando gritou: basta!
Abasteceu sua luta
E arrancou a vitória na marra e no amor,
No calor de amarguras e alegrias.

Poesia que sobreviveu
Galgando por entre sombras e brechas,
Veredas espinhosas
Caminhos para a vida.

Poesia que agora
Explode por todos os claros:
Revolução é um ato de amor!

Alexandre Fonseca
Recife, março/1987.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Fazendo o destino

Escrevo,
Escovo,
Faço um aço
E corto um trevo,
Atrevo fazer sem sentido o azar.
E o destino,
O rumo,
A sina
Fica em minhas mãos,
No chão da história
Tecido sem cisma e previsão

Alexandre Fonseca
Tucurí (PA), 31.dezembro.1989

terça-feira, 2 de junho de 2009

A essa gente: Gênova, Marilac, Dora, Marcos e Aluísio

Ao som do vinho
e ao gosto de uma boa conversa,
vazou de nós o jeito de Deus
que chega a deixar a gente meio sem jeito
ao lembrar que vez por outra deixamos
deitar em nós aquela teima em desquerê-lo
em escondê-lo
em esquecê-lo.

Escorrega risos na seriedade
dos assuntos que iam e vinham,
que passeavam descontraidamente sem pressa de chegar ou sair.
Nos levava no colo para o que se dizia
por ser enraizado de vida
e de jeito de querer bem.

Cebolas, batatas e cenouras
reservavam pra gente
o conforto da barriga cheia,
o alento num dia duro,
força carinhosa que mantém e empurra a gente no embate da vida

Dá vontade de se ficar tanto tempo ali;
dos relógios rodarem ao contrário;
E só se ter tempo pra rir e ser feliz.
E na gostosura da convivência,
no aconchego caloroso
a ‘responsa’ puxa a gente pelo braço:
Tá na hora da cama!
Tá na hora de levar este sonho aos sonhos
e acordar dispostos a construí-los nos Coelhos, na Fortuna, na Arca, na onde tiver gente!

Alexandre Fonseca
Albergue de Dom Helder Câmara, bairro dos Coelhos, Recife, 10/novembro/1988

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Atentado ao cacique Aníbal Potiguara


Por volta das 19h30 do domingo, 22 de março/09, dois homens encapuzados derrubaram a porta da residência do cacique Aníbal da aldeia Jaraguá, do povo Potiguara, no município de Rio Tinto (PB). Invadiram a casa, dirigiram-se para os interruptores da cozinha e do quarto das três crianças para apagar duas lâmpadas. Sob a penumbra oferecida pala televisão ligada, dispararam vários tiros no cacique Aníbal que, alvejado,caiu no chão. Os filhos abraçaram o pai no chão banhado de sangue. Aníbal foi imediatamente removido para um hospital de emergência, em João Pessoa, cerca de 90 km do local do atentado. O cacique foi atingido por duas balas: uma perfurou o pulmão e a outra se encontra alojada em seu maxilar. Ele saiu do hospital no dia 2 de abril e os médicos acharam por bem não retirar as balas.

Na tarde do dia 23, lideranças do povo Potiguara se reuniram na Polícia Federal para solicitar proteção policial para Aníbal e tomarem as providências cabíveis. Indignados pela demora na chegada da Polícia Federal e revoltados com a brutalidade do episódio, os Potiguara da aldeia de Jaraguá interditaram, a estrada que liga a cidade da Baia da Traição com a BR 101. A Policia Federal foi no local apenas 24 horas depois do atentado. Depois que a movimentação na estrada se dispersou, uma pessoa sacou de um revólver e deu vários disparos, promovendo pânico e correria. Policiais agiram prontamente desarmando e prendendo o homem.

No dia 25, as primeiras testemunhas foram prestar depoimentos. O cacique Bel, da aldeia de Três Rios e a cacique Cau, da aldeia Monte Mor também estão sob ameaça de morte.

Aníbal não pediu vingança quando voltou. Pediu festa. Convocou seu povo para festejar a luta pela vida, pela terra livre com muito Toré. Aníbal faz parte de uma nova geração de lideranças do povo Potiguara que rompe com a prática de arrendamento de terra para usineiros. “O que aconteceu com Aníbal,
não acontece só com ele não; acontece com qualquer pessoa que luta pelo direito à terra” afirma Cir, vice-cacique da aldeia Três Rios, também ameaçado de morte. “Quando a gente começou aqui não tinha nenhuma casa, era só cana. Hoje existem 111 famílias. Muito roçado e pomares, passarinho de todo tipo aparece, até sagüi um dia desse eu vi”, relembra com satisfação, o cacique Bel, da aldeia Três Rios, outro que está marcado para morrer.

Alexandre Fonseca
In Jornal Porantim, nº 314, p. 12

domingo, 31 de maio de 2009

Pentecostes e o povo do Caminho

Os discípulos e as discípulas do Profeta de Nazaré estavam com medo. Reuniam-se escondidos para conversar e avaliar, mas a incerteza e o medo haviam se instalado, parecia vencer. O Ressuscitado aparece, restabelece a paz e lança sobre eles o Espírito. Uma nova vida acontece, dissipa-se o medo, refloresce a esperança, retomam o caminho. É Pentecostes. Nascem as comunidades cristãs.

O acesso a estas novas comunidades é irrestrito. Todos podem participar. Esta é a novidade. Não há acepção de pessoas. Todos podem escutar e contar notícias boas em suas próprias línguas e culturas. O amor prevalece sobre normas e leis. Tornam-se conhecidos como povos do Caminho.

O termo grego eclésia (igreja), naquela época, que era utilizado para designar a assembléia dos homens livres das cidades, excluíam crianças, mulheres e escravos. As comunidades cristãs apropriam-se e re-significam o termo. Igreja é agora a assembléia dos povos livres, o lugar da liberdade, onde todos podem repartir alegrias e tristezas; compartilhar angústias e esperanças.

Celebrar pentecostes é reavivar a memória libertária da páscoa. Acreditar na convivência harmoniosa dos povos e na perfeição da pluralidade. Preso ao amor e absolutamente livre nos modos de amar.

Alexandre Fonseca

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Romper sem sair

A partir de outros mundos,

ela caminha na apropriação das lógicas deste mundo.

E quando menos imaginar,

passeará por estas lógicas,

desconstruindo-as.

Rompendo sem sair,

despertando novos mundos

Alexandre Fonseca

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Povo Anacé tem terras ameaçadas pelo governo estadual

Ministério Público Federal no Ceará (MPF/CE) enviou uma recomendação ao governador do Estado pedindo que seja suspenso o processo de desapropriação que está em curso no território tradi­cional do povo Anacé. Segundo a assessoria de comuni­cação do MPF/CE “a suspensão deve perdurar até que sejam realizados os estudos de identificação e delimitação da terra indígena Anacé.
Em São Gon­çalo do Amarante e Caucaia vivem mais de 800 famílias da etnia. A Constituição brasileira reconhece ‘aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, prote­ger e fazer respeitar todos os seus bens’”.
A Recomendação nº 59, de 12 de novembro de 2008, do MPF/CE solicitou a interrupção das desapro­priações em São Gonçalo do Amarante e Caucaia, onde vive o povo Anacé.


Complexo do Pecém

Em 1995 o governo Estadual esco­lheu o território tradicional do povo Anacé para instalação de um enorme empreendimento. Um porto e diver­sas indústrias: siderúrgica, refinaria, fábrica de cata-ventos para produção de energia eólica, dentre outras. Dois anos depois, em 1997, cerca de uma centena de famílias foram expulsas de suas terras e encurraladas em três assentamentos.
O porto foi inaugu­rado em 2002. Há cinco anos o estado tem provi­denciado a infra-estrutura necessária para a chegada das indústrias: construção de rodovias e ferrovias, instalações elétricas e de gás, construção de ter­melétrica etc.
Agora surge a pressão para expulsar o restante do povo e as conseqüências da retirada das famílias começam a apa­recer: 37 idosos morreram em cinco anos com desgosto por terem sido arrancados de suas terras, vários atropelamentos ocorreram devido à proximidade que se encontram das estradas, registram-se casos de assassinatos, presencia-se o consumo e tráfico de drogas e a pros­tituição. Apenas na aldeia Matões, pró­xima ao porto do Pecém, foram abertas seis casas de prostituição.


Luta por reconhecimento


Em 2001 o povo Anacé iniciou seu processo de luta pelo reconhecimento territorial e étnico. Romperam com o silêncio resistente, estratégia utilizada por diversos povos indígenas, principal­mente do Nordeste, desde as últimas décadas do século XIX. Lideranças Anacé começaram a animar e organizar o povo com reuniões, assembléias e, so­bretudo, a prática do ritual na busca de uma terra livre, discernida e orientada pelos Encânticos da mata e do mar.

Assembléia Anacé

No dia 18 de outubro de 2008, o povo Anacé realizou mais uma assem­bléia. Escolheram o tema “A luta do povo Anacé pela conquista do território tradicional”. Participaram cerca de 200 indígenas (das comunidades Aledias de Matões, Japuara, Santa Rosa, Grigório, Área Verde, Chaves, Bolsas, Tapuio, Ta­buleiro e Tocos), representantes do MPF no Ceará e aliados (Cimi, Pastoral dos Migrantes, Grão - Grupo de resistência ambiental, UFC, UECE, UFPB).
Os indígenas fizeram demonstra­ções do Toré e refletiram a situação de violação de seus direitos. Ao final, pediram que o MPF/CE solicitasse o fim da intervenção do governo do estado no território Anacé. Os procuradores da República no Ceará Francisco de Araújo Macedo Filho, Alessander Sales e Márcio Torres redigiram e enviam ao governador do Ceará uma recomendação de suspen­são dos procedimentos de desapro­priação do território. “A desapropria­ção e remoção dos Anacé causaria dano irreparável a esse povo indígena e colocaria em risco sua reprodução física e cultural, segundo perícia téc­nica realizada por um antropólogo do MPF/CE. A demarcação da terra já foi recomendada pelo Ministério Público Federal à Fundação Nacional do Índio”, diz o documento.


Alexandre Fonseca
In. Jornal Porantim, N. 311, dezembro/08, p. 10.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Caminho da cruz

caminhar por entre a ordem cristalizada
cruz

ousar num meio de mesmice
cruz

sonhar por entre desfalcadores de utopias
cruz

amar conjugado no verbo sofrer
cruz

24.março.09

Alexandre Fonseca

terça-feira, 26 de maio de 2009

Anuncio dos passarinhos

despojamento na quaresma
em preparo da páscoa
se eu fosse místico, tenho um tempo certo e adequado
se eu fosse poeta, tenho um sofrer movido pelo amor
se eu fosse louco, tenho mundos inteiros para correr


os passarinhos não tardam anunciar um novo dia
acordarei nos braços de seus cantos
na pintura que o sol criança brinca com o céu

escrevo porque assim re-significo o que não faz sentido
e nisto
rompo sem sair
penteio a contra pelo o que parecia querer me vencer
na contramão do que se pensa caminho
deposito ovos e raízes nas rachaduras
escrevo e remergulho em meus delírios
extrema contestação
escrevo porque fico pacifico em estado de guerra

os passarinhos não tardam a chegar
voarei com eles
porque sou passarinho
riscos caminhos inusitados nos céus dos mundos que me dá na doida
um passarinho

não tarda raiar o dia
a liberdade de amar nas infinitas e livres formas
não tarda
não tarda
não tarda

o dia avisado pelos passarinhos
o arbítrio extinto
e o caminhar por fazer pelos que amam


Alexandre Fonseca
24/março/09

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Fundamentos da educação

Caminho aberto
Rasgos na infinitude da criatividade
Riscos balbuciando ensaios e histórias de amor
Ternura e encantamento
Prazer e deleite
No gozo do saber
do conhecer
do aprender ensinando
do ensinar aprendendo
Aprender a conhecer
Aprender a fazer
Aprender a viver juntos
Aprender a ser
Viver a plena alegria de viver
Remar no oceano da liberdade
Rememorar Freire, Darcy, Assmamm e outros anjos
Remir lapsos
Remover obstáculos
Re-mudar caminhos

Alexandre Fonseca
15.janeiro.09

domingo, 24 de maio de 2009

O céu está no meio de nós



Depois da páscoa Jesus "subiu ao céu e sentou-se a direita de Deus Pai". Desta maneira rezamos em nosso credo. Muita gente acha que Jesus mora no céu e vai permanecer lá até que um dia voltará, no fim do mundo, onde virá para julgar os vivos e os mortos.

Lucas escreveu, por inspiração divina, dois livros: o evangelho (que leva o seu nome) e os Atos dos Apóstolos que narra, sobretudo os primeiros caminhos da Igreja. Nos Atos dos Apóstolos, Lucas descreve o episódio da ascensão de Jesus (cf. Atos 1, 4-11). Conta que Jesus conversa com os apóstolos, despede-se e, em seguida, “foi levado ao céu à vista deles”. Depois uma nuvem o encobre. É importante observar o que Lucas destaca logo depois: os apóstolos continuam olhando para cima na tentativa de ver Jesus. Ficam lá olhando, olhando. Então aparecem dois homens vestidos de branco e perguntam: “por que vocês estão aí parados, olhando para o céu?” E explicam que “esse Jesus que foi tirado de vocês e levado para o céu, virá do mesmo modo com que vocês o viram partir para o céu”.

Imaginamos o céu como um lugar geográfico, em cima da terra, além das nuvens. Um lugar bom e desvinculado de nosso cotidiano, do mundo, do vale de lágrima em que vivemos. Muitas vezes queremos recorrer a Deus dirigindo nossas preces olhando para o céu. Não é olhando para céu que encontraremos Jesus, mas olhando o mundo, especialmente as pessoas que sofrem.

Tem muita gente que alimenta sua espiritualidade com reflexões e práticas desvinculadas do cotidiano, das tramas da vida e do mundo; isolam-se e ficam a buscar força e discernimento fora do mundo. Jesus já está presente em nosso meio. A subida ou ascensão de Jesus ao céu não implica em sua ausência no mundo. Ao contrário, ele permanece em nós, cuida de nós, atua nas tramas da história.

Jesus já tinha advertido que ficaria presente no mundo. Ou seja, para ver Jesus é preciso olhá-lo no mundo. Cuidar de quem sofre é cuidar do próprio Jesus. Assim quando a gente dá comida a quem tem fome, alimenta Jesus; oferece água a quem tem sede, sacia Jesus; visita um doente, conforta Jesus. Noutra ocasião Jesus disse que estaria no nosso meio quando nos reuníssemos em seu nome, tanto na oração como na ação.

Precisamos de momentos para rezar. Estabelecer um tempo só nosso de pura intimidade com Deus. Contemplar a Deus para melhor reconhecer Jesus presente nas pessoas que sofrem. Alimentar numa espiritualidade encarnada nos aparelhando para a peleja da vida nos mundos.

O Reino de Deus está muito perto. O céu está no meio de nós, como está no nosso meio o Reino de Deus, tantas vezes anunciado por Jesus. Jesus aponta sinais da presença do Reino de Deus em nosso meio. Escolhe variados exemplos desta presença entre as crianças, os pecadores, os doentes, as meretrizes. O exercício da misericórdia é a historicização do céu. O céu está ao nosso alcance. Como disse certa vez o monge Anselm Grun: “o céu começa em você!”.

Alexandre Fonseca

sábado, 23 de maio de 2009

O menino, a olivetti e a amiga



Escrevo minha primeira carta desde que você partiu para o além mar. Resolvi acordar a velha máquina elétrica de escrever do padre José. Não sei bem bulir nela. Recordo dos meus nove anos quando olhava meu pai datilografar os inquéritos e outros procedimentos de delegado especial do interior cearense. Ele usava os dois dedos indicadores, mas tinha boa agilidade. Faz assim até hoje em seus bem vividos oitenta e quatro anos. Claro que era proibido da gente brincar na olivetti, mas menino é menino. Assim aprendi a colocar o papel e descobri muitas coisas do funcionamento da máquina, entre carões e puxavancos de orelhas.

No segundo grau tive aula de mecanografia em uma escola pública. Muitos alunos e algumas máquinas disponíveis. Recusei-me a aprender a utilizar todos os dedos e o professor pouco estava interessado em ensinar. Não sei como fui aprovado. Com a chegada dos computadores abandonaram de uma vez a máquina de datilografar.

A barragem sangra. Toda hora um monte de gente olhando. Ficam horas. Muitos comentários das sangrias anteriores, de quando transbordou por cima da pista. O dia de hoje é de sol depois de uns dias de chuva e chuvisco. Bonito! Roupas de todas as cores estendidas em varais de muitos quintais. Gente satisfeita perambulando pela rua. Fiz uma saidinha para comprar envelopes e sacar dinheiro para a viagem de amanhã. Hoje são 22 de abril, data oficial do processo de invasão dos territórios indígenas. Não escutei nenhum comentário a respeito.

Ei, quando se escreve em máquina de escrever é preciso colocar duas folhas de papel. A debaixo serve como forro para proteger o rolo preto. Assim ensinava meu pai quando a gente, já adolescente, podia utilizar a máquina dele.

Como vão os estudos? E a lida com a saudade? Penso que os piores tempos já foram enfrentados. Conte uma, duas, três descobertas!

Se essa máquina fosse manual eu saberia ser um pouco mais criativo na formatação desta carta, se se pode chamar estas mal traçadas linhas de carta. As cores das letras podem mudar, vejo agora. Vou fuçar a bichinha. Certamente tem bons recursos, talvez mais vantajosos que a manual. Ei! Descobri como se faz para romper com a trava do espaçamento.

Você vai escrever também uma carta? Não é preciso. E-mail é mais rápido. Não escrevo nesta velha máquina, brinco com ela. Estou brincando, recordando meus tempos de menino que nunca acabaram.

Quando esta carta chegar aí já se passaram vários dias. Era assim décadas passadas; e séculos antes, meses. Tudo muda e nada muda. Gosto desta lógica sem lógica, desta lei sem lei. O povo budista vive com essas arrumações aqui tidas como paradoxo. Rejeito o conceito de paradoxo, mas não saberia qual para explicar o que não se pode explicar.
Vamos almoçar?

Alexandre Fonseca

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Oração de envio

Seu olhar seja ouvir
Seu ouvir seja olhar
Seu viver seja sonhar
Seu sonhar seja viver

Aprenda como as crianças
Deseje como as amantes
Sonhe como as profetizas
Ouse como as loucas

A luz do Espírito e dos Encantados alumine seu caminho
A sabedoria do Espírito e dos Encantados inunda sua mente
A ternura do Espírito e dos Encantados engravide seu coração
A força do Espírito e dos Encantados feche seu corpo
A paz do Espírito e dos Encantados invada seus mundos
A bênção do Espírito e dos Encantados habite em sua vida



Alexandre Fonseca
Chapada dos Guimarães – MT, 26/junho/08

quarta-feira, 20 de maio de 2009

O povo indígena Anacé e o complexo industrial e portuário do Pecém


O Estado tem sido o principal inimigo dos povos indígenas no Brasil. Na história do povo Anacé não tem sido diferente. No século XVII o Estado invade seus territórios para facilitar a entrada dos empreendimentos coloniais. Nos últimos quinze anos o pesadelo da intervenção do Estado reaparece, reeditando a mesma lógica colonialista: remover o povo para que os empreendimentos privados se instalem em seus territórios.

História de luta e resistência.

O povo Anacé aparece na literatura desde o século XVII. Padre Antonio Viera cita este povo em sua Relação da missão da serra de Ibiapaba. O historiador Carlos Studart Filho, em sua obra Notas históricas sobre indígenas cearenses atesta que os Anacé moram junto à costa, eram guerreiros e indispostos a submeter-se ao novo reordenamento imposto pela Coroa portuguesa. Em 1666 o capitão mor Mello Gusmão ordena que se faça guerra “levando tudo a ferro e fogo e matasse todos os varões em estado de pegar em armas”. Em 1694 Fernão Carrilho sitiou parte dos Anacé a oito léguas ao Norte da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, onde permanecem até hoje. O historiador Capistrano de Abreu em sua obra Capítulos de história colonial & caminhos antigos do Brasil registra que em 1749 foi redigida a Informação geral de Pernambuco onde atesta que a aldeia Anacé era administrada pelos jesuítas. Pedro Theberge, também historiador, confirma este dado e sua obra Esboço histórico sobre a província do Ceará.

A enciclopédia dos municípios brasileiros, editada pelo IBGE em 1959, afirma que o nome do município São Gonçalo do Amarante “foi mudado para Anacetaba (...) por força do decreto lei Nº 1.114, de 30 de dezembro de 1943. Anacetaba significa aldeia dos Anacés, por terem aí habitado índios dessa tribo”.

O Sr. Raimundo Joaquim Anacé afirmou em 2004, quando na ocasião tinha 80 anos que “nasci aqui no Cambeba. Nunca sai daqui. Minha mãe e minha vó também” (depoimento recolhido no dia 02/11/04). Sr. Joaquim Pereira Barros, Quincas Pereira, 84 anos, assegura que o cemitério do Cambeba é indígena. Ele relata em cordel:
“Um dia morreu um chefe / De uma febre tremenda / Reuniu-se as duas tribos / Numa grande choradeira / Enterraram o velho índio / Embaixo de uma pitombeira
Cercaram aquela cova / Com uma cerca de madeira / E com muita devoção / As velhas índias rezadeiras / rezavam por seu defunto / com saudade verdadeira.
O Sr. José Carneiro / era meu tetravô / aumentou o cemitério / crescendo para três lados / com cerca de pau a pique / foi bem conservado / neste mesmo cemitério / este homem foi enterrado”.
Estas frases que escrevi / São histórias verdadeiras / Narradas pelos Caetanos / e pela família Pereira / o Raposal do Coqueiro / E o Adão da Pitombeira”.

Nova investida colonialista do Estado

Os Anacé viviam em seu território tradicional sem maiores problemas até o dia em que o Governo do Estado do Ceará resolve escolher sua terra para assentar um grande negócio.
No dia 05 de setembro de 1995 o Governo do Estado anuncia o início das obras de um empreendimento industrial e portuário no território Anacé. Três séculos antes expulsavam e matavam com a força militar, de mercenários ou capangas. Hoje com decreto de desapropriação ilegal, mas de resultados tão nefastos como antes. Cerca de cem famílias Anacé já foram obrigadas a deixar seu território tradicional. O Estado criou três assentamentos, antes denominavam de aldeamentos. Aos olhos do Estado cego de ganância, tudo vira mercadoria.
É macabro o preço que o Estado avaliou e pagou de ‘indenização’ das árvores: carnaubeira: R$ 0,30, mangueira: R$ 15,00, coqueiro: R$ 30,00 e cajueiro: R$ 30,00.
Certamente os critérios utilizados na avaliação destas indenizações não consideram nem ao menos o valor de mercado dos produtos oferecidos por estas árvores. A carnaubeira fornece a palha para cobrir casas, fazer chapéu, surrão, bolsa, esteira, corda, saia; a bagana, excelente adubo natural; cera, frutos, madeira para construção de casas. Trinta centavos! Tenham paciência! Um chapéu de palha de carnaúba custa R$ 5,00. A carnaúba tem valor inestimável, foi instituída árvore símbolo do Ceará (decreto nº 27.413 de 30/03/04). E o cajueiro? Um bom cajueiro produz em sua safra cerca de 80 kg de castanhas. Com esse valor de R$ 30, 00 não se consegue comprar nem 5 kg de castanhas.
O Estado desconsidera a presença dos Anacé que passam a ser visto como obstáculos que precisam ser removidos, assim declarou, dias atrás, o Governador Cid Gomes na TV Diário, repetindo o que o presidente Lula falou no ano passado. Não apenas os índios são visto como obstáculos, mas também a legislação ambiental. Neste caso, o Governador chamou de burocracia que atrasa o cronograma das obras. O Sr. Antonio Balhmann, presidente da Agência de Desenvolvimento do Ceará – Adece – que esteve reunido com negociantes da empresa Cargo Ventores, dos EEUU, declarou no jornal Diário do Nordeste (10/02/09) que “eles estavam querendo começar até o final deste ano, mas tem toda uma burocracia a cumprir, como a expedição de licenças ambientais, o que deve prorrogar o início (das obras) por mais tempo”. A empresa Cargo Ventores controla a zona livre Miame e “pretende investir na construção da infra-estrutura de carga refrigeradas no porto do Pecém”, território Anacé. Precisa ser dito que os organismos estatais que deveriam proteger o meio ambiente são do mesmo Estado que promove o assalto e saque do território indígena.

Vexames e mortes

Em setembro do ano passado, visitando a aldeia Tapuio, conversei com dona Raimunda Pereira Duarte. Ela me disse na ocasião: “Seu vigário está muito mudado nosso lugar. Cercaram ali e estão cavando buraco e tirando terra. Tem buraco mais fundo que um poste daquele (apontou para um poste da rede elétrica). Só não vou lá mostrar ao senhor porque meu coração não agüenta”. Dona Raimunda morreu de insuficiência cardíaca, cerca de um mês depois, no dia 25 de outubro de 2008. O Estado é o responsável por esta morte. Assim como pelas mortes dos 36 anciões Anacé que foram arrancados de seus territórios, cito alguns: Hipólito Neves, Maria Milagre, Zé Severiano, Emília Atanásio, Chico Freire, Diomar, Nenzinha, Enelson, Raimundo Preto, Totó, Raimunda do Seo Raimundo, Rita da Rocha, Jonas Rafael, Zé Bernaldo, Cloves Balbino, Nestor, Chico Adolfo, Pedro Camilo e Zuza. O Seo Zé Severiano antes de morrer retornava à sua terra e, chorando e gritando, abraçava e beijava seus cajueiros, mangueiras e coqueiros.
Outros Anacé morram por atropelamentos e por suicídios; além de outros vítimas de assassinatos movido pelo tráfico de narcóticos que chegou na localidade junto com o porto do Pecém.
Outrora os Anacé eram perseguidos, muitos assassinados, outros expulsos de seus territórios pelo Estado a tiros e espadas. Hoje o Estado mudou o estilo, mas é o resultado é o mesmo.

O Estado atende interesses dos grandes negociantes

O Estado age desta maneira para atender aos interesses dos grandes mercadores que saqueiam nossas riquezas e batizam estes famigerados atos de desenvolvimento e progresso. Escolhem os locais desconsiderando seus habitantes, oferecem gratuitamente o espaço físico aparelhado de toda a infra-estrutura necessária, feita, claro, às custa do dinheiro público e ainda galhardeia os empreendimentos com isenções de impostos.
Cabe ampliar nossa visão destes atos nefastos do Estado. Não é apenas o povo Anacé atingido nesta ação mercantil. O Brasil inteiro assiste uma nova invasão. O Governo Federal investe em infra-estrutura para receber os novos invasores. Chama este gesto de Programa de Aceleração do Crescimento - PAC. 210 obras do PAC atingem povos indígenas. O Balcão de negociação dar-se, muitas vezes, no exterior. Presidente Lula chegou a dizer na Itália, certa vez, que o único risco para os empresários de investir no Brasil era ter lucro.
O Nordeste brasileiro está sendo palco de um grande negócio. O Ceará parece querer liderar este processo. Recentemente o Governador Cid Gomes esteve na Alemanha e nos Estados Unidos. Esta semana negociantes americanos sobrevoaram o território Anacé olhando onde o Estado reservou para seus empreendimentos.
A lista das obras de infra-estrutura no NE é imensa:
a) Porto do Pecém – para exportação do produtos. Atinge o povo Anacé.
b) Ferrovia Transnordestina que interligará os portos de São Luis (MA), Suape (PE), Pecém (CE) e Ilheus (BA). Esta obra atinge povos indígenas no MA, PE, CE e BA
c) Transposição do rio São Francisco para garantir segurança hídrica. Esta obra atinge 27 povos indígenas
d) Barragens e açudes.
e) Hidrelétricas e termelétricas
f) Gaseodutos
g) Ampliação de aeroporto de passageiros e cargas
h) Duplicação de rodovias
i) Rodovia próxima do oceano atlântico interligando do sul da Bahia (Linha Verde) aos lençóis do Maranhão. No Ceará, cinicamente chamada de estruturante.
Os negócios já instalados ou em vias de instalação, todos voltados para o mercado externo:
a) Siderúrgicas (MA, PE e CE)
b) Refinarias (MA, PE, CE)
c) Indústrias petroquímicas (MA, CE, PE)
d) Indústrias diversas (cata-ventos para energia eólica; ração animal, dentre outras)
e) Fruticulturas, floricultura

Amor e pertença a terra

O povo Anacé organiza-se e articula-se com o Movimento Indígena e aliados para enfrentar os desafios. Na IX Assembléia dos Povos Indígenas do Ceará, Conceição Anacé afirmou: “Cada um que luta pela terra é porque tem amor por ela. Aí eu vou lá. Qualquer coisa que ofende a terra eu vou lá. O reassentamento onde colocaram nosso povo é um crime. Quando se fala em desapropriação a gente vê idosos chorar. Quem tem fé em Deus a esperança pode arriar um pouquinho, mas não desaparecerá. Se somos um povo só, se somos todos parentes, vamos lutar pela terra. Eu nasci aqui, me criei aqui e vou morrer aqui. Só merece a terra quem derramou suor como adubo”. A próxima Assembléia Estadual dos Povos Indígenas do Ceará será no território Anacé.
O povo Anacé, como todos os povos indígenas do Brasil e do Continente, luta para garantir seus direitos territoriais e étnicos e para construir um estado democrático pluri-nacional e multi-étnico.

Alexandre Fonseca

terça-feira, 19 de maio de 2009

Enchente, solidariedade e risco de corrupção

Nestes dias visitei um casal de jovens. Casaram-se em dezembro do ano passado. Alugaram uma casa. Os dois trabalham em uma fábrica de calçados. No início de maio acordaram por volta das 23:30h quando uma forte corrente de água invadia sua residência. Em poucos minutos parecia um rio carregando seus pertences adquiridos com muito esforço. Vexame e desespero pareciam querer dominá-los. Gritam por socorro. A vizinhança aparece e com muito empenho tratam de salvar o que podem como se a situação fosse com eles mesmos. “A aflição era muita, mas sentia uma grande alegria vendo e sentido a solidariedade dos vizinhos”, disse o jovem operário.

As chuvas vêm promovendo medo e apreensão e, ao mesmo tempo, solidariedade. Gestos bonitos afloram em abundância. A solidariedade é a maior riqueza dos povos. Pena que esta atitude não ocorra também em situações emergenciais que se tornaram crônicas como luta pela reforma agrária e urbana, e a luta pela demarcação dos territórios indígenas.

A casa alugada pelo jovem casal foi construída no canal por onde passa o sangradouro de um açude. O proprietário cuidou de colocar um bueiro de pequeno diâmetro, mas insuficiente para uma maior vazão de água. Conseguiu licença da Prefeitura para o empreendimento ilegal e irresponsável.

As chuvas são sempre bem-vindas no semi-árido nordestino. Quase não há rios perenes. Águas correndo nos rios só por ocasião dos períodos chuvosos. Cessam as chuvas, secam-se os rios. As chuvas promovem brilho nos olhos e acordam sonhos de fartura e dias melhores.

Porque as chuvas estão promovendo tanto transtorno nos últimos tempos no semi-árido?

Todo município precisa de um Plano Diretor que deve, dentre outras coisas, planejar e controlar o crescimento urbano. Ao Estado cabe proteger e preservar o meio ambiente, sobretudo os rios e matas ciliares, lagoas, mananciais, mangues. Ou seja, deve regulamentar a ocupação e uso do meio ambiente de forma responsável. Não é preciso muito esforço para se ver aterros criminosos, loteamentos clandestinos ou com licenças compradas nos organismos que deveriam proteger o meio ambiente. Governos estaduais e federal anunciam liberação de verbas. Como se trata de situação de emergência não precisa de licitação para compras de alimentos, água potável, cobertores, colchões, reconstrução de casas, estradas, dentre outras providências. O risco de corrupção é medonho.

Alexandre Fonseca

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Do pé de cachimbo, domingo

Neste domingo tem sol e cai um pequenino chuvisco,
céu azul com nuvens brancas e grávidas.
Ontem o Aracati soprou pela noite
anunciando em nossos rostos os inícios do verão.
A cidade é um silêncio conventual,
passarinhos brincam
fazendo-se notar.
Da janela vejo flores amarelas e vermelhas.
Sinto sua presença,
luz não precisa do corpo,
presença também não.

Do pé do cachimbo, domingo
amenidades,
preguiça.
Escrever por absoluto prazer;
como namorar,
deleite desgovernado de razões;
gratuidade esparramada,
jorrada do coração.
Dobra-se o mundo:
o além-mar aqui,
o aqui, além mar


Alexandre Fonseca

domingo, 17 de maio de 2009

Amem-se uns aos outros (João 15, 9-17)

Amem-se uns aos outros. Síntese da magnífica mensagem de Jesus aos povos. Ele mesmo fez isso. Amou a ponto de entregar completamente sua vida. Gesto máximo de amor.

Não é retórica. Ele faz e seu fazer torna-se sua principal pregação. O testemunho fala mais que o discurso. Ele diz que nos ama e permanece no amor porque o Pai {Deus} o ama. Jesus nos ama. Este é o alicerce de nossas práticas amorosas. Amando-nos uns aos outro permaneceremos no amor.

Amar até as últimas conseqüências. Mas não precisamos começar partindo desta radicalidade. Experimente começar dedicando alguns minutos de sua vida a uma pessoa que está sofrendo. Parar e olhar com mais atenção. Calar-se e ouvir com mais dedicação. Libertar seu carinho e oferecê-lo gratuitamente. Repartir a esperança. Partilhar alegria e expectativas. Romper com os grilhões do egoísmo e da prepotência. Caminhando nesta estrada seremos capazes de radicalizar nosso amor, a ponto de abraçar a glória do martírio.

Jesus nos chama de amigos. A amizade é um espaço eclesial. A amizade perpassa família e povos. É o amor rompendo fronteiras. É a expressão explicita do amor; do bem querer entre as pessoas. Na amizade compartilhamos nossas satisfações, tristezas, desilusões; nossos desejos e sonhos. A amizade é o espaço de liberdade e franqueza: podemos dizer sim, podemos dizer não, podemos dizer talvez, podemos abrir nosso coração sem receio de dizer o que se sente.

Amar uns aos outros dá fruto. E fruto permanente porque o amor é permanente. Permanente, criativo e infinitamente inventivo, como gostava de dizer Vicente de Paulo. O poder do amor é imenso. O amor nos dá o poder de guardar, de proteger, de fortalecer a vida. Jesus nos transmite esse poder quando amamos uns aos outros: qualquer coisa que pedirmos a Deus Pai nos será dado.

Tudo está ao alcance de nossas mãos, basta amar. Amar sem limite. Amar a ponto de morrer por outra vida. Vida pelas vidas, nas palavras do poeta e bispo Pedro Casaldáliga.

Alexandre Fonseca

sábado, 16 de maio de 2009

Dizer-se

Nunca mais escrevi

Carreguei dentro de mim

E ficou sem ficar quieto

O desejo de dizer-se

Mostrar-se em palavras

O que não cabe nelas


Alexandre Fonseca
21.set.06

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Conversa com Deus

Meu pai
estou precisando de ajuda
não tenho conseguido me concentrar
ando agitado
solto
feito folha ao vento
queria ter passos rotineiros
repetidos cada dia na magia do ouvir
amansar
compreender e amar
romper com a necessidade de ser compreendido e amado
rezar, queria eu aprender
nadar e mergulhar perto de Ti
bem pertinho
brincar
olhar
ouvir
amar


Alexandre Fonseca
04.abril.07

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Os galhos, a planta e o agricultor (João 15,1-8)

Sempre me espanto e me surpreendo da maneira como Jesus toma como base de seus ensinamentos coisas ou fatos absolutamente simples e corriqueiros, tão presentes no cotidiano que a obviedade parece esconder tesouros preciosos. Quem nunca cortou um galho de uma planta? Quem nunca concluiu que tal procedimento provoca a morte daquele pedaço, e se, no tempo apropriado, esta poda promove mais vida e frutos na referida planta?

Partindo da obviedade Jesus apresenta Deus Pai como agricultor, ele próprio como planta e nós como galhos. Cabe ressaltar que nos galhos brotam flores que se tornarão frutos. As flores e frutos da planta divina dependem de nós, de nossa vida, de nossos gestos, de nossas ações.

Como permanecer em Jesus? Buscar respostas a esta pergunta pode apontar caminhos repletos de variadas flores e frutos, feito o sertão nordestino engravidado de inverno.

A palavra de Jesus permanecendo em nós é a mesma coisa que Jesus permanecer em nós. Ou seja, permanecer em Jesus é buscar viver a sua palavra em nossas vidas. Palavra e vida confundem-se, o verbo se faz carne. O centro da palavra de Jesus é o amor à vida, em todas as suas multiformes maneiras de existir. Pertencemos e permanecemos em Jesus quando orientamos nossa vida em busca da vida plena e digna. A vida no universo, na natureza donde nós somos parte dela. O salmista admira-se de Deus ao nos tomar como pupilas diante de toda criação: somos mais que ovelhas e bois, mais que aves e peixes, mais que lua e estrelas (cf. Sl 8). Cuidar da vida é o vínculo que nos une a videira que é Jesus.

Se permanecermos em Jesus e se suas palavras permanecerem em nós, a força do amor reveste-se em nós e tudo o que pedirmos nos será dado. Removeremos as montanhas do medo, do egoísmo, da soberba, da indiferença.

Alexandre Fonseca

quarta-feira, 13 de maio de 2009

13 de maio, a lei áurea e a lenda

Machado de Assis escreveu em setembro de 1876 uma crônica sobre o grito do Ipiranga. O Bruxo do Cosme Velho comenta que um leitor reclamava “pela Gazeta de Notícias contra essa lenda de meio século. Segundo o ilustrado paulista não houve nem grito nem Ipiranga (...) Houve resolução do Príncipe D. Pedro, independência e o mais; mas não foi positivamente um grito, nem se deu nas margens do célebre ribeiro (...) Minha opinião é que a lenda é melhor do que a história autêntica. A lenda resumia todo o fato da independência nacional, ao passo que a versão exata o reduz a uma coisa vaga e anônima” (MACHADO DE ASSIS, Obras completas. RJ, Nova Aguilar, 2006, p.346-347).
Aprendi nas aulas de História do Brasil, em minha adolescência, que no dia 13 de maio de 1888 a princesa Isabel assinou a lei áurea. Trata-se da Lei 3.353 que libertou os escravos do Brasil. Uma lenda! Uma lenda que esconde as lutas, os levantes, as insurreições, as guerras, as prisões, as torturas, as perseguições, as discriminações de muitos escravos e abolicionistas. Lenda que nega a participação popular, imensamente criativa e heróica, canalizando tudo para uma princesa que faz a redenção pela ação mágica de uma caneta (pena), como uma fada madrinha e sua varinha de condão.
Esta lenda esconde também os interesses mercantilistas do império britânico e a expansão do capitalismo industrial que exigia uma nova versão da escravidão: a mão-de-obra assalariada.

Alexandre Fonseca