sábado, 27 de junho de 2009

Dom Aloísio Lorscheider e a luta dos povos indígenas


Deixamos de ter medo e começa­mos o movimento” afirma, com entusiasmo, a liderança Ivonil­de Tapeba, a respeito do papel de Dom Aloísio Lorscheider na luta pelo reconhecimento territorial e étnico do povo Tapeba, que desencadeou o movimento indígena no Ceará. Hoje, há 16 povos no estado: Anacé, Tapeba, Pitaguary, Kanindé, Jenipapo-Kanindé, Paupina, Tremembé, Potiguara, Taba­jara, Guarani, Kalabaça, Tupinambé, Kariri, Jucá, Kapuxu e Gavião.

De 1973 a 1995, Dom Aloísio foi Arcebispo de Fortaleza. Em 1982, Dom Aloísio Lorscheider encarregou José Cordeiro, coordenador da Pastoral Rural da Arquidiocese de Fortaleza, de visitar os Tapeba da Aldeia da Ponte, em Caucaia. Três meses depois do primeiro contato Dom Aloísio visitou a área. O medo foi sendo vencido e lideranças começaram a brotar para assumirem os desafios da luta indígena: “Raimunda Rodrigues, da Ponte; Bastião André, do Açude; seo Fernando, Chico Bento e a Virgem (Maria Teixeira) da Capoeira; Cláudio, Ivonilde e dona Zuila, do Trilho; seo Severino, seo Rodrigues e Iracema, da Lagoa” cita Ivonilde alguns dos primeiros nomes que começaram a luta . “Demos início à luta pela terra. Muitas reuniões na Igreja da Sé. Ia um caminhão pau de arara cheio de índio. Lá a gente se reunia o dia inteiro”.

Nasceu assim, a Pastoral Indigenista da Arquidiocese de Fortaleza, que nos anos seguintes participa do processo de luta de outros povos: Jenipapo kanindé, Potiguara e kanindé de Aratuba. Apoia­ram também o povo Tremembé.

A imensa contribuição de Dom Aloí­sio à luta dos povos indígenas do Ceará foi dar visibilidade ao movimento indí­gena. O protagonismo do processo de organização e mobilização dos povos indígenas era dos próprios povos indí­genas. O Cardeal usava sua influência na sociedade cearense e brasileira para que os indígenas aparecessem. Isto os motivava para que rompessem o medo de assumir e viver suas culturas e de recuperar seus territórios.

Mesmo depois de sair da Arquidio­cese de Fortaleza, Dom Aloísio conti­nuou apoiando os povos indígenas do Ceará. Em junho de 2004 ele esteve na aldeia de Bolsas, do Povo Anacé, que iniciava seu processo de luta territorial e reconhecimento étnico. Na ocasião Dom Aloísio declarou: “Vocês estão no caminho certo. É preciso se unirem, se organizarem para a defesa dos seus direitos. Eu lamento não ser mais o ar­cebispo de Fortaleza para ajudar vocês, mas procurem o arcebispo, procurem a Arquidiocese de Fortaleza, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos e não tenham medo. Continuem bem unidos e fiquem firmes, essa terra é de vocês!”

Dom Aloísio foi presidente da Con­ferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) entre 1971 e 1979. Em 1976 foi eleito Cardeal e, entre 76 e 79 foi pre­sidente do Conselho Episcopal Latino Americano (Celam). Ele faleceu em 23 de dezembro de 2007, aos 84 anos de vida.

Alexandre Fonseca
Jornal Porantim, Nº 302, jan-fev/2008, p. 15.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Transposição: Rio São Francisco na mira dos empresários



Debaixo do sol forte, olhando as águas do rio São Francisco, seu Antônio Chico de 79 anos, liderança religiosa do povo Truká de Cabrobó, em Pernambuco, inspirado pelos “encantados”, começou a cantar:

“Nós não aceita, não. Nós não aceita. Os empresários acabar com o São Francisco. O São Francisco é obra da natureza. O São Francisco é o pai dos ribeirinhos. Os empresário têm olho grande de verdade. Os empresário têm ganância pra valer”

Depois de compor em verso, seu Antônio Chico ensaia em prosa:

“E cadê o Ibama? Tá com a boca na sacola. Quando um pobre vai pegar um pau de lenha pra mode se alimentar, sobreviver, o Ibama cai em cima com processo e mete o pobre na cadeia. Quando os empresários querem destruir a natureza de Pernambuco, Alagoas, o Ibama tá com a boca na sacola, não tá dando fé, quer dizer: os empresários prendem o Ibama. Só isso”.

As palavras de seu Antônio Chico traduzem o pensamento das comunidades indígenas e camponesas que habitam a região afetada pelo projeto da transposição.

Um grande negócio

A transposição do rio São Francisco é apenas um dos tentáculos de um grande negócio que começa a ser implementado em todo o Nordeste brasileiro. Trata-se de uma obra de infra-estrutura para acolher empresas privadas de capital internacional que estão vindo se instalar nesta rica e linda região.

O negócio prevê dois tipos de ocupação e utilização do território nordestino. Na costa litorânea, está focado na exploração do turismo com instalações de redes de hotéis e resorts. Através de recursos do Banco Mundial, Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), os governos estão investindo em obras de infra-estrutura para a costa nordestina.

Um desses investimentos é a construção da estrada litorânea que começa no sul da Bahia (Linha Verde) e se estende até os lençóis maranhenses. A modernização dos aeroportos constitui outro fator, assim como a urbanização de centenas de quilômetros da costa, atingindo populações tradicionais e povos indígenas, no caso do Ceará, os povos Anacé e Tremembé.
Já no sertão nordestino, a transposição visa beneficiar grandes empreendimentos voltados à produção de aço, grãos, frutos tropicais e flores para exportação. As obras de infra-estrutura que darão suporte a estes negócios incluem a construção de dois portos - de Suape, em Pernambuco, e do Pecém, no Ceará - que já se encontram em funcionamento. Também faz parte desse projeto a construção da ferrovia transnordestina, que irá interligar sete estados do Nordeste e transportará os minérios de Carajás, no Pará, que chegam ao Maranhão até o porto do Pecém (Ce). A ferrovia dará acesso às futuras bases de produção agrícola do sertão, facilitando o escoamento dos grãos e demais produtos.

Para fornecer a energia necessária ao funcionamento dos grandes empreendimentos, serão instaladas dezenas de usinas termoelétricas, redes de gasodutos, barragens, hidrelétricas e redes de retransmissão de energia elétrica. Já a água para todo este empreendimento virá da transposição do rio São Francisco.

Luta dos povos tradicionais

A luta contra a transposição do rio São Francisco deve ser compreendia dentro da grande luta contra os mercadores mercenários que vêm saqueando nossos povos e nossas riquezas desde o século 16. Esta obra de infra-estrutura atinge os povos indígenas do começo ao fim. Começa em dois territórios indígenas: o dos Truká, em Pernambuco, e dos Tumbalalá, na Bahia. Na extremidade final, atinge o povo Anacé, no Ceará.

Centenas de Anacé foram expulsos de seu território e relocados em três assentamentos. Parte de suas terras foi invadida por canais de transmissão que destinarão a água do São Francisco – por meio da transposição - para a produção de aço na siderúrgica do Pecém, ainda não instalada.

Impedir a transposição do rio São Francisco é uma ação urgente e necessária à sobrevivência dos povos tradicionais. Porém, não pode ser entendida como um instrumento suficientemente eficaz para impedir esta invasão colonial moderna. Tem que ser compreendida como parte de um esquema ainda maior.
A vitória contra a transposição será um grande passo para os povos que lutam por uma terra livre.

22 povos indígenas serão atingidos pela transposição

Pernambuco - Truká, Pipipã, Kambiwá, Pankará, Pankararu

Bahia - Tumbalalá, Kanturaré, Tuxá de Rodelas, Tuxá de Ibotirama, Pankararé, Kiriri, Kaimbé, Xukuru-Kariri de Nova Glória,

Minas Gerais - Xakriabá

Sergipe - Xocó

Alagoas - Karuazu, Koiupanká, Kalankó, Katokim, Geripankó, Kariri-Xocó

Ceará - Anacé
Ceará

Alexandre Fonseca
10.janeiro.08

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Aluísio Matias: história forjada com sofrimento e poesia

Cordões com bandeirinhas sendo colocados na garagem da casa. Alegria nos olhos que vem do coração. Prepara-se o local como quem prepara um altar.

Neste fim de tarde ele não vestirá a camisa na última hora aos apelos do “Tá na hora! Tamos atrasados!”. Não . Desta vez ele aprontou-se duas horas antes. Alheio ao que se passava na garagem, senta-se, vestido de branco, na varanda. Espera os quem vem para a festa. Festa com missa e tudo. Festa modesta, como a missa, aos modos como ele modelou esses oitenta e cinco anos. Modesto e teimoso. Fazedor de história forjada com sofrimento e poesia.

Ali sentado, mergulhado dentro de si, enquanto conversas e risos passeavam pela arrumação do local da festa. Poucos conseguem alcançar a maioridade com tamanha lucidez e presteza. Maior seria a palavra mais adequada para quem testemunha-se em tantas histórias. Se criança é menor porque idoso não é maior? É maior sim. Maior sobretudo em sabedoria, sabedoria esta própria de quem é agraciado por Deus para viver longamente. Maior em experiência e em des-experiências.

Foi de maior que ele explodiu-se poeta. Poesias maduras na adolescência dos primeiros versos.

A festa já acontece. Começa deste quando se pensa em festejar. É como a poesia, existe mesmo antes da gente dizê-la.

Feliz aniversário, meu pai

Alexandre Fonseca

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Teimoso e fixo no sempre sair

vou entregue ao nada e ao tudo
vou livre sem absoluta expectativa planejada
vou feito 'tabula rasa'
absolutamente entregue
uma viagem atordoada e tranquila
espera no saguão do aeroporto
espera tranquila
não sei se confiante, mas não temerosa
espera
espera entregue ao que pode vir
acredita que vi o avião sair de Salvador, dando macha-ré e cochilei e acordei ele plainando sobre um lindíssimo mar? Não vi zoada ou ouvi friozinho na
barriga
nada
simplemente voei

Assim vou a este tempo gaucho
desexpectativado

alisar à contra pêlo tem sido o que sou
às vezes me vem objeções internas propondo o verbo 'se': "Se você tivesse feito
assim..." E vem um monte de 'se' e monta-se um mundo de como seria 'se'. Risos. Depois de algum tempo desmorona-se os mundos dos 'se' e passo a besteirar e mangar
mango de mim
mango dos mundos
mango dos 'se'
mango da vida
mango da morte
mango da sorte
corro livre e preso a minha sina
sina da liberdade
sina do amor
enquadrado na estrutura de modo completamente desenquadrado
sou e não sou
chove e faz sol
vou brincar de bíblia nas tradições luteranas
vou abandonado
vou abandonando
entregue
na contra mão
remando no contra pêlo
se isso é inteligência
nasci nela
me entendi de gente nela
Penso em tirar a barba
chegar outro noutro lugar
experimentar-me diferente
risos
Alguém me viu de sapatos e ficou encantadoramente surpreso: 'seria possível?'
Pensou. Mas não tenho problemas em sapatos, muito menos com
chinelas para promover surpresas no desuso
Sou preso ao nada
sou livre ao tudo
amar você na liberdade dos caminhos, único caminho
Vou assim
sobre as águas condensadas das nuvens
mexer na bíblia
noutra feitura de olhar e crer
Vou no absoluta e no (o que é mesmo o contrário de absoluto?)
Vou
Ficar seria ferir o meu ser teimoso e fixo no sair sempre
Alexandre Fonseca
03/jan/09, sobre as nuvens para o Rio Grande

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Religião, magia e amor

Nas religiões alheias seus deuses agem

E são tidos ou lidos pelos alheios como mágicos.

Na religião não alheia seu deus age

E não é tido ou lido como mágico.

Critérios analíticos e sintéticos sobejantes no alheio.

Não sedo mágico aqui porque ali?

Liberdade é a magia do amor.

Se deus intervém assim

Não intervém, faz magia.


Alexandre Fonseca
25.jan.09

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Ver e reconhecer Jesus (João, 1,29-34)


João Batista, filho de Zacarias e Isabel, prima de Maria santíssima viu Jesus e o reconheceu como Cordeiro de Deus. Em outra ocasião João manda dois de seus discípulos perguntarem a Jesus se ele era o Messias. Sabe como Jesus respondeu? Primeiro Jesus agiu: Curou, libertou, protegeu que sofria e depois mandou os discípulos de João dizer o que viram e ouviram (cf. Lc 7,18,23; Mt 11,1-19)

Quero dedicar esta reflexão sobre a importância do ver e do reconhecer Jesus.

É preciso que a gente veja e reconheça Jesus. É complicado ver e reconhecer Jesus? Não, não é. Vou contar uma história que aprendi do padre Martinho, experiente missionário lazarista, que trabalhou muitos aos no Maranhão. Ele narrou a seguinte história:

Numa cidade como essa aqui de Quixeramobim tinha uma velha, cabelo meio despenteado, que todo dia de manhã saia de casa com uma vassoura, praticamente atravessava a cidade, passava de frente a igreja e seguia adiante. Nunca ninguém viu essa senhora freqüentando a missa. Alguém botou um apelido nela: Maria Vassoura. Então, cada dia, ela passava e muita gente gritava: lá vai a Maria Vassoura; Ei Maria Vassoura! Gritavam. As crianças tinham medo da Maria Vassoura.

Até que um dia umas três pessoas da igreja católica resolveram seguir a Maria Vassoura para ver aonde ela ia todo santo dia com aquela vassoura. Sem dizer nada, seguiram a Maria Vassoura. Certo momento Maria Vassoura entrou em uma casinha, no final de uma ruazinha da cidade. Essas três pessoas entraram na casa. Viram um casal de velhinhos que moravam sozinhos e prostrados em suas redes. Maria Vassoura barria a casa; banhava os velhinhos; preparava a comida. As três pessoas, muito admiradas, perguntaram: são seus pais? Maria Vassoura respondeu: Não, não são meus pais. Nem mesmo eu os conhecia. Certa vez andando por aqui vi os dois abandonados e desde aquele dia passei a cuidar deles. E Maria Vassoura concluiu: cuido deles como quem cuida de Jesus. Desde aquele momento a cidade inteira passou a olhar Maria Vassoura com outra maneira.

Minha gente tem muito Jesus no nosso meio e tem muita Maria Vassoura também! Precisamos aprender a olhar e ver olhar e o Reino de Deus aqui em Quixeramobim; precisamos olhar e reconhecer Jesus no nosso meio.

Precisamos aprender a olhar. Precisamos educar nosso olhar. Tem gente que olha com inveja, com raiva, com maldade. Tem gente que tem olho gordo, mal olhado. Tem até rezas apropriadas para se proteger destes tipos de olhados.

Minha gente boa de Quixeramobim precisamos mudar nosso modo de olhar. Olhar com atenção, com fé, com esperança, com caridade. Precisamos aprender a ser como Maria Vassoura que sabia ver e reconhecer Jesus. Mesmo não freqüentando a missa, as coisas da igreja, sabia ver Jesus naquele casal de velhinhos. Precisamos aprender e fazer como a Maria Vassoura: ver e reconhecer Jesus em que sofre.

E onde podemos aprender isso? Qual a escola que devemos freqüentar?

Tem uma escola que ensina a ver e reconhecer Jesus. Uma escola gratuita, uma escola dada de graça por Deus para nós – a escola da vida.

Minha gente! Na escola da vida podemos aprender a olhar e ver como a Maria Vassoura. E a escola de ensino fundamental da vida é a família! Isso mesmo! Seja a família de sangue, de nascimento, seja a família adotada. Na família a gente aprende a olhar, a falar, a conviver, a brigar, a desbrigar, a perdoar, a repartir, a rezar.

A família é a escola de ensino fundamental da fé, é a escola de ensino fundamental da esperança, é a escola de ensino fundamental da caridade.

Onde vocês pensam que João Batista aprendeu a ver e reconhecer Jesus? Não foi na sinagoga, nem no templo. Ele aprendeu na sua família: com Isabel, com Zacarias, seus pais; com Maria e com José, seus tios.

Precisamos aprender a olhar com fé. E o que é olhar com fé? É olhar com confiança. Confiar em Deus. Acreditar que somos semelhantes a Deus. Mais ainda que isso: que nosso irmão e irmã que sofre é o próprio Jesus. Olhar, ver e reconhecer o Reino de Deus presente em Quixeramobim.
Precisamos aprender a olhar com Esperança. E o que é olhar com esperança? É olhar com otimismo. Enfrentar as dificuldades certos de que Deus caminha com a gente, ao nosso lado. Apesar das doenças, da violência, das traições, das brigas, dos desarranjos, acreditar que vai melhorar. Como dia o ditado: “Tá ruim, mas tá bom!”
Precisamos aprender a olhar com caridade. E o que é olhar com caridade? É olhar com amor, com ternura, com paciência. É olhar com o coração desarmado. É viver como a Maria Vassoura!

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

Alexandre Fonseca
Homilia na trezena de Santo Antonio de Quixeramobim - CE, 06/junho/09.

terça-feira, 9 de junho de 2009

O preço de uma vida


Um homem entra em uma locadora de DVD, dirige-se ao proprietário que se encontra sentado em um tamborete. Sem pronunciar nenhuma palavra saca de um revólver e dispara quatro tiros na cabeça da vítima. Depois foge do local.

A cidade de Quixeramobim amanhece marcada com mais um crime de encomenda ou pistolagem. É o tema principal nas rodas de conversas. Quem mandou matar? Por que? Lembram do último caso? Questões como estas brotam com imensa fartura.

Certa hora, entro numa conversa e pergunto?
- “Quanto deve ser que se paga para um pistoleiro fazer um “serviço” deste?
Alguém diz:
- “acho que uns quinhentos reais”.
- “Quinhentos reais??!! Acha que seria apenas isso?” Reajo.
- “Ora, quando o caso é mais sofisticado, talvez uns mil reais, não mais que isso!” Respondeu sem titubear meu interlocutor.

Martela em minha mente: Quanto vale uma vida? Quais as raízes deste procedimento frio e desumano?

No ano passado aconteceu em Fortaleza um assassinato de encomenda cujo desfecho aponta até onde vai a banalização da vida e perversão do ser humano. Alguém contratou um pistoleiro para matar um vendedor de livros usados. Combinam o preço, metade do valor naquele momento e a outra metade depois da execução do crime. O matador inusitadamente resolveu terceirizar tarefa: contratou, por um pequeno preço, um outro assassino, que era menor de idade.

Na Região Metropolitana de Fortaleza, 85 pessoas foram assassinadas com características de pistolagem entre janeiro a outubro de 2008 (cf. Diário do Nordeste, 08/12/08). É aterrorizador o aumento vertiginoso de casos. Em 1997 foram registrado 8 casos em todo o Estado do Ceará.

Prevalece em nosso meio o mecanismo de controle social utilizado desde o início do século XVII - a eliminação física dos oponentes ou desafetos. Modernizaram-se, talvez, as armas e os veículos de fugas dos executores. Porém, barbárie moderna ou atrasada é sempre barbárie.

Precisamos romper com nossa indiferença, expressar nossa indignação e exigir procedimentos eficazes do poder público, quais sejam apurar os fatos, prender e julgar mandantes e executores.

Alexandre Fonseca

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Santíssima Trindade: perfeição na diversidade


O cristianismo anuncia que Deus revela-se na pluralidade. Deus é três na perfeita unidade. Sempre cabe ressaltar que essa unidade não é uniformidade. São três pessoas distintas, mas não separadas. Uma relação dialógica alicerçada no amor que forma uma perfeita comunhão. Esta possibilidade de deferentes viverem numa convivência fraterna em eterna harmonia e paz apresenta-se hoje como um relevante paradigma.

Ocorre que o cristianismo chegou neste continente revestido de preconceito e intolerância religiosa, imbuído de arrogância teológica. Os missionários, tanto da Igreja Católica como das Igrejas da Reforma, costumavam satanizar as variadas concepções de divindades indígenas e impunham a sua. Cada Igreja adotava a prerrogativa de ser única e verdadeira, anunciando o mesmo Deus trino. Ainda hoje, infelizmente, prevalecem algumas distorções que inviabiliza ou retarda o processo de aproximação e diálogo.

Talvez o desafio de maior envergadura deste novo século seja o pluralismo religioso. Dialogar inspirados no modelo paradigmático da Santíssima Trindade pode ser um caminho frutuoso. O Secretariado para os não Cristãos da Igreja Católica de Rito Romano define diálogo inter-religioso como o “conjunto das relações inter-religiosas, positivas e construtivas, com pessoas e comunidades de outras confissões religiosas para um mútuo conhecimento e um recíproco enriquecimento” (SECRETARIADO PARA OS NÃO CRISTÃOS. A Igreja e as outras religiões – diálogo e missão. 3ª ed., São Paulo, Paulinas, 2003, p.3).

O diálogo requer abertura e acolhimento. Não cabem atitudes como auto-suficiência, arrogância, sentimento de superioridade. No diálogo a diversidade é tomada como preciso valor. Exige humildade na busca da verdade. “É indispensável que a busca da verdade ocorra sem restrições mentais, em espírito de acolhida e abertura, pois ninguém pode pretender uma assimilação plena deste horizonte que está sempre adiante”(TEIXEIRA, Faustino. Ecumenismo e diálogo inter-religioso. A arte do possível. Aparecida, Santuário, 2008, p. 146).

Inspirados na Santíssima Trindade poderemos enveredar pelos caminhos do diálogo na construção de um mundo de paz.

Alexandre Fonseca

domingo, 7 de junho de 2009

Escrever, escrever, escrever


E quando não tiver assunto para escrever? Escreva! Escreva que o assunto aparece. Se não vir, insista. Não se fala sem ter assunto? Tratar amenidades numa roda de amigos, falar ‘miolo de pote’, muitas vezes, são momentos transcendentais.

Escrever tem a magia de se grudar no papel assuntos dos mais diversos, possíveis e impossíveis, como, por exemplo, escrever sem assunto. Outro dia, lembrei-me agora, vi duas crianças brincarem de bola. Corriam e riam bastante. Certa hora a menor delas virou-se para o parceiro e disse: “estou cansado, vamos brincar de descansar!”. A sabedoria da criança de olhar o mundo na ótica da arte do brincar é fantástica e encarna-se aqui neste momento: brinco de escrever, e quando canso, descanso brincando de escrever.

Escreva. É possível, tudo é possível. Mesmo escrever sem assunto. É como namorar. Tem momentos sem assunto. A plenitude está ali acercada pelo silêncio da presença. Qualquer palavra atrapalha. Nem gesto precisa, basta está li perto, sentindo o amor exalar-se em faceirice.

Então escreva! Escreva que a inspiração vem. Ela tem seus truques e magias; seus modos e segredos; jeitos que nos deixam sem jeito. Tece-se emergindo de mundos inimagináveis que moram ou passeiam no nosso íntimo. Vem e invade sem invadir e, de repente, está escrito um texto.

Alexandre Fonseca

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Andarilha


Arranjei um apelido para a vida:
Andarilha.
É.
Andarilha.
Eis a nossa vida!
O que queria mais?
Fixar o coração numa estrada e ficar tentando segurar o trem com as unhas e os olhos vendo-o escapar?
Acho que não!
O negócio é aventurar-se nesta viagem
Dar sugestão de roteiro,
Arredondar o rosto com sorriso nas coisas boas que aparecem

Sim!
Elas existem
E podemos desenhar mais!
A questão é que temos,
Carregamos em nós,
Uma teima
Uma cisma em não ser andarilho

Vida é ida,
Mas cismamos,
Implicamos em ter medo de ir
Ficamos desejando saber tim tim por tim tim desta ida
Colocar os riscos no bolso e andar seguro,
Feito um deus onisciente
Dono absoluto dos segredos, surpresas e mistérios deste ir.
Ficamos brincando de esconde-esconde com a gente mesmo
E acabamos indo por ir
Com os riscos feito ciscos
Nos olhos e no coração.

Andarilha não é limite
É se assumir e viver como se é
O que somos de mais belo
É a liberdade de se fazer.

Alexandre Fonseca
13/junho/1989

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Ato de amor



Poesia que rasga,
que fere,
que rompe,
que anuncia.
Poesia cristalina cristalizada
No colo, no suor e no sangue
De um povo
Que se mostrou povo
Quando gritou: basta!
Abasteceu sua luta
E arrancou a vitória na marra e no amor,
No calor de amarguras e alegrias.

Poesia que sobreviveu
Galgando por entre sombras e brechas,
Veredas espinhosas
Caminhos para a vida.

Poesia que agora
Explode por todos os claros:
Revolução é um ato de amor!

Alexandre Fonseca
Recife, março/1987.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Fazendo o destino

Escrevo,
Escovo,
Faço um aço
E corto um trevo,
Atrevo fazer sem sentido o azar.
E o destino,
O rumo,
A sina
Fica em minhas mãos,
No chão da história
Tecido sem cisma e previsão

Alexandre Fonseca
Tucurí (PA), 31.dezembro.1989

terça-feira, 2 de junho de 2009

A essa gente: Gênova, Marilac, Dora, Marcos e Aluísio

Ao som do vinho
e ao gosto de uma boa conversa,
vazou de nós o jeito de Deus
que chega a deixar a gente meio sem jeito
ao lembrar que vez por outra deixamos
deitar em nós aquela teima em desquerê-lo
em escondê-lo
em esquecê-lo.

Escorrega risos na seriedade
dos assuntos que iam e vinham,
que passeavam descontraidamente sem pressa de chegar ou sair.
Nos levava no colo para o que se dizia
por ser enraizado de vida
e de jeito de querer bem.

Cebolas, batatas e cenouras
reservavam pra gente
o conforto da barriga cheia,
o alento num dia duro,
força carinhosa que mantém e empurra a gente no embate da vida

Dá vontade de se ficar tanto tempo ali;
dos relógios rodarem ao contrário;
E só se ter tempo pra rir e ser feliz.
E na gostosura da convivência,
no aconchego caloroso
a ‘responsa’ puxa a gente pelo braço:
Tá na hora da cama!
Tá na hora de levar este sonho aos sonhos
e acordar dispostos a construí-los nos Coelhos, na Fortuna, na Arca, na onde tiver gente!

Alexandre Fonseca
Albergue de Dom Helder Câmara, bairro dos Coelhos, Recife, 10/novembro/1988

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Atentado ao cacique Aníbal Potiguara


Por volta das 19h30 do domingo, 22 de março/09, dois homens encapuzados derrubaram a porta da residência do cacique Aníbal da aldeia Jaraguá, do povo Potiguara, no município de Rio Tinto (PB). Invadiram a casa, dirigiram-se para os interruptores da cozinha e do quarto das três crianças para apagar duas lâmpadas. Sob a penumbra oferecida pala televisão ligada, dispararam vários tiros no cacique Aníbal que, alvejado,caiu no chão. Os filhos abraçaram o pai no chão banhado de sangue. Aníbal foi imediatamente removido para um hospital de emergência, em João Pessoa, cerca de 90 km do local do atentado. O cacique foi atingido por duas balas: uma perfurou o pulmão e a outra se encontra alojada em seu maxilar. Ele saiu do hospital no dia 2 de abril e os médicos acharam por bem não retirar as balas.

Na tarde do dia 23, lideranças do povo Potiguara se reuniram na Polícia Federal para solicitar proteção policial para Aníbal e tomarem as providências cabíveis. Indignados pela demora na chegada da Polícia Federal e revoltados com a brutalidade do episódio, os Potiguara da aldeia de Jaraguá interditaram, a estrada que liga a cidade da Baia da Traição com a BR 101. A Policia Federal foi no local apenas 24 horas depois do atentado. Depois que a movimentação na estrada se dispersou, uma pessoa sacou de um revólver e deu vários disparos, promovendo pânico e correria. Policiais agiram prontamente desarmando e prendendo o homem.

No dia 25, as primeiras testemunhas foram prestar depoimentos. O cacique Bel, da aldeia de Três Rios e a cacique Cau, da aldeia Monte Mor também estão sob ameaça de morte.

Aníbal não pediu vingança quando voltou. Pediu festa. Convocou seu povo para festejar a luta pela vida, pela terra livre com muito Toré. Aníbal faz parte de uma nova geração de lideranças do povo Potiguara que rompe com a prática de arrendamento de terra para usineiros. “O que aconteceu com Aníbal,
não acontece só com ele não; acontece com qualquer pessoa que luta pelo direito à terra” afirma Cir, vice-cacique da aldeia Três Rios, também ameaçado de morte. “Quando a gente começou aqui não tinha nenhuma casa, era só cana. Hoje existem 111 famílias. Muito roçado e pomares, passarinho de todo tipo aparece, até sagüi um dia desse eu vi”, relembra com satisfação, o cacique Bel, da aldeia Três Rios, outro que está marcado para morrer.

Alexandre Fonseca
In Jornal Porantim, nº 314, p. 12