sexta-feira, 26 de junho de 2009

Transposição: Rio São Francisco na mira dos empresários



Debaixo do sol forte, olhando as águas do rio São Francisco, seu Antônio Chico de 79 anos, liderança religiosa do povo Truká de Cabrobó, em Pernambuco, inspirado pelos “encantados”, começou a cantar:

“Nós não aceita, não. Nós não aceita. Os empresários acabar com o São Francisco. O São Francisco é obra da natureza. O São Francisco é o pai dos ribeirinhos. Os empresário têm olho grande de verdade. Os empresário têm ganância pra valer”

Depois de compor em verso, seu Antônio Chico ensaia em prosa:

“E cadê o Ibama? Tá com a boca na sacola. Quando um pobre vai pegar um pau de lenha pra mode se alimentar, sobreviver, o Ibama cai em cima com processo e mete o pobre na cadeia. Quando os empresários querem destruir a natureza de Pernambuco, Alagoas, o Ibama tá com a boca na sacola, não tá dando fé, quer dizer: os empresários prendem o Ibama. Só isso”.

As palavras de seu Antônio Chico traduzem o pensamento das comunidades indígenas e camponesas que habitam a região afetada pelo projeto da transposição.

Um grande negócio

A transposição do rio São Francisco é apenas um dos tentáculos de um grande negócio que começa a ser implementado em todo o Nordeste brasileiro. Trata-se de uma obra de infra-estrutura para acolher empresas privadas de capital internacional que estão vindo se instalar nesta rica e linda região.

O negócio prevê dois tipos de ocupação e utilização do território nordestino. Na costa litorânea, está focado na exploração do turismo com instalações de redes de hotéis e resorts. Através de recursos do Banco Mundial, Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), os governos estão investindo em obras de infra-estrutura para a costa nordestina.

Um desses investimentos é a construção da estrada litorânea que começa no sul da Bahia (Linha Verde) e se estende até os lençóis maranhenses. A modernização dos aeroportos constitui outro fator, assim como a urbanização de centenas de quilômetros da costa, atingindo populações tradicionais e povos indígenas, no caso do Ceará, os povos Anacé e Tremembé.
Já no sertão nordestino, a transposição visa beneficiar grandes empreendimentos voltados à produção de aço, grãos, frutos tropicais e flores para exportação. As obras de infra-estrutura que darão suporte a estes negócios incluem a construção de dois portos - de Suape, em Pernambuco, e do Pecém, no Ceará - que já se encontram em funcionamento. Também faz parte desse projeto a construção da ferrovia transnordestina, que irá interligar sete estados do Nordeste e transportará os minérios de Carajás, no Pará, que chegam ao Maranhão até o porto do Pecém (Ce). A ferrovia dará acesso às futuras bases de produção agrícola do sertão, facilitando o escoamento dos grãos e demais produtos.

Para fornecer a energia necessária ao funcionamento dos grandes empreendimentos, serão instaladas dezenas de usinas termoelétricas, redes de gasodutos, barragens, hidrelétricas e redes de retransmissão de energia elétrica. Já a água para todo este empreendimento virá da transposição do rio São Francisco.

Luta dos povos tradicionais

A luta contra a transposição do rio São Francisco deve ser compreendia dentro da grande luta contra os mercadores mercenários que vêm saqueando nossos povos e nossas riquezas desde o século 16. Esta obra de infra-estrutura atinge os povos indígenas do começo ao fim. Começa em dois territórios indígenas: o dos Truká, em Pernambuco, e dos Tumbalalá, na Bahia. Na extremidade final, atinge o povo Anacé, no Ceará.

Centenas de Anacé foram expulsos de seu território e relocados em três assentamentos. Parte de suas terras foi invadida por canais de transmissão que destinarão a água do São Francisco – por meio da transposição - para a produção de aço na siderúrgica do Pecém, ainda não instalada.

Impedir a transposição do rio São Francisco é uma ação urgente e necessária à sobrevivência dos povos tradicionais. Porém, não pode ser entendida como um instrumento suficientemente eficaz para impedir esta invasão colonial moderna. Tem que ser compreendida como parte de um esquema ainda maior.
A vitória contra a transposição será um grande passo para os povos que lutam por uma terra livre.

22 povos indígenas serão atingidos pela transposição

Pernambuco - Truká, Pipipã, Kambiwá, Pankará, Pankararu

Bahia - Tumbalalá, Kanturaré, Tuxá de Rodelas, Tuxá de Ibotirama, Pankararé, Kiriri, Kaimbé, Xukuru-Kariri de Nova Glória,

Minas Gerais - Xakriabá

Sergipe - Xocó

Alagoas - Karuazu, Koiupanká, Kalankó, Katokim, Geripankó, Kariri-Xocó

Ceará - Anacé
Ceará

Alexandre Fonseca
10.janeiro.08

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